sábado, 3 de novembro de 2012

Sintaxe e interpretação de texto - Uerj questões discursivas





TEXTO PARA A PRÓXIMA QUESTÃO:
            O chefe da estação me olhou de cara feia, e me deu a passagem e o troco. Bateu com a prata na mesa. Se fosse falsa, estaria perdido. Guardei o cartão com ganância no bolso da calça. A estação se enchera. Um vendedor de bilhete me ofereceu um. Não desconfiava de mim. O chefe foi que me olhou com a cara fechada. Já se ouvia o apito do trem. Cheguei para o lugar onde paravam os carros de passageiros. E o barulho da máquina se aproximando. Estava com medo, com a impressão de que chegasse uma pessoa para me prender. Ninguém saberia. E o trem parado nos meus pés. Tomei o carro num banco do fim, meio escondido. O Padre Fileto me viu. Tirava esmolas para a obra da igreja.
            – Não foi para a parada?
            – Não senhor, vou ver o meu avô que está doente.
            A mesma mentira saída da boca automaticamente. Os meninos passavam vendendo tareco1. Quis comprar um pacote, mas estava com receio. Qualquer movimento de minha parte me parecia uma denúncia. O homem do bilhete voltou outra vez me oferecendo. Num banco da minha frente estava um sujeito me olhando. Sem dúvida, passageiro do trem. E me olhando com insistência. Levantou-se e veio falar comigo:
            – Menino, que querem dizer estas letras?
            – Instituto Nossa Senhora do Carmo.
            – Pensei que fosse “Isto não se conhece”...
            Ri-me sem querer. E as outras pessoas acharam graça. Pedi a Deus que o trem partisse. Por que não partira aquele trem? Meu boné me perderia. Podia ter vindo de chapéu. Nisto vi Seu Coelho. Entrei disfarçando para a latrina do trem. E não vi mais nada. Só saí de lá quando vi pelo buraco do aparelho a terra andando. Sentei-me no mesmo lugar. Vi a cadeia, o cemitério.(...)
            E o Pilar chegando. O Recreio do Coronel Anísio, com a sua casa na beira da linha. E a gente já via a igreja. O trem apitava para o sinal. Passou o poste branco. Saltei do trem como se tivesse perdido o jeito de andar. Escondi-me do moleque do engenho. O trem saía deixando no ar um cheiro de carvão de pedra. Lá se ia Ricardo com os jornais para o meu avô. Faltava-me coragem para bater na porta do engenho como fugitivo.
            E fui andando à toa pela linha de ferro. Que diria quando chegasse no engenho? Lembrei-me então que pela linha de ferro teria que atravessar a ponte. E desviei-me para a caatinga. Pegaria mais adiante o mesmo caminho. Estava pisando em terras do meu avô. O engenho de Seu Lula mostrava o seu bueiro pequeno, com um pedaço caído. Que diabo diria no Santa Rosa, quando chegasse? Era preciso inventar uma mentira.
            Fiquei parado pensando um instante. Achei a mentira com a alegria de quem tivesse encontrado um roteiro certo. Sonhara que meu avô estava doente e não pudera aguentar o aperreio do sonho. E fugira. Achariam graça e tudo se acabaria em alegria. Mas cadê coragem para chegar? Já me distanciava pouco da minha gente. O bueiro do Santa Rosa estava ali perto, com a sua boca em diagonal. Subia fumaça da destilação. Com mais cinco minutos estaria lá. Era só atravessar o rio. Fiquei parado pensando. O rio dava água pelos joelhos. O gado do pastoreador passava para o outro lado. E cadê coragem para agir? E o tempo a se sumir. E a tarde caindo. A casa-grande inteira brigaria comigo. No outro dia José Ludovina tomaria o trem para me levar. E o bolo, e os gritos de Seu Maciel. Vou, não vou, como as cantigas dos sapos na lagoa.
            Um trem de carga apitou na linha. Tirei os sapatos, arregaçando as calças para a travessia. A porteira do cercado batia forte no mourão2. E no silêncio da tarde, tudo aumentava de voz. (...)

JOSÉ LINS DO RÊGO
Doidinho. Rio de Janeiro: José Olympio, 1971.

Vocabulário:
1 tareco - biscoito
2 mourão - estaca


1. (Uerj 2011)  Os trechos transcritos abaixo exemplificam o emprego do mesmo conectivo “e” para exprimir diferentes relações temporais entre dois fatos.
E o barulho da máquina se aproximando. (...) E o trem parado nos meus pés. (1º parágrafo)
E o tempo a se sumir. E a tarde caindo. (11º parágrafo)
Aponte o significado desse conectivo. Em seguida, explicite a relação temporal dos fatos em cada um dos trechos.


Resposta:

A conjunção coordenativa “e” inicia duas orações que expressam a sucessão de sensações que o narrador vivencia naquele momento. Ao perceber que a tarde se aproxima do final, inquieta-se com a passagem do tempo e a sua falta de coragem para enfrentar a situação. Assim, o conectivo expressa adição, sugerindo ao leitor a simultaneidade de fatos que explicam a sua inquietude.




TEXTO PARA A PRÓXIMA QUESTÃO:
Do bom uso do relativismo

Hoje, pela multimídia, imagens e gentes do mundo inteiro nos entram pelos telhados, portas e janelas e convivem conosco. É o efeito das redes globalizadas de comunicação. A primeira reação é de perplexidade que pode provocar duas atitudes: ou de interesse para melhor conhecer, que implica abertura e diálogo, ou de distanciamento, que pressupõe fechar o espírito e excluir. De todas as formas, surge uma percepção incontornável: nosso modo de ser não é o único. Há gente que, sem deixar de ser gente, é diferente.
Quer dizer, nosso modo de ser, de habitar o mundo, de pensar, de valorar e de comer não é absoluto. Há mil outras formas diferentes de sermos humanos, desde a forma dos esquimós siberianos, passando pelos yanomamis do Brasil, até chegarmos aos sofisticados moradores de 1Alphavilles, onde se resguardam as elites opulentas e amedrontadas. O mesmo vale para as diferenças de cultura, de língua, de religião, de ética e de lazer.
Deste fato surge, de imediato, o relativismo em dois sentidos: primeiro, importa relativizar todos os modos de ser; nenhum deles é absoluto a ponto de invalidar os demais; impõe-se também a atitude de respeito e de acolhida da diferença porque, pelo simples fato de estar-aí, goza de direito de existir e de co-existir; segundo, o relativo quer expressar o fato de que todos estão de alguma forma relacionados. 3Eles não podem ser pensados independentemente uns dos outros, porque todos são portadores da mesma humanidade.
Devemos alargar a compreensão do humano para além de nossa concretização. Somos uma geo-sociedade una, múltipla e diferente.
Todas estas manifestações humanas são portadoras de valor e de verdade. Mas são um valor e uma verdade relativos, vale dizer, relacionados uns aos outros, autoimplicados, sendo que nenhum deles, tomado em si, é absoluto.
Então não há verdade absoluta? Vale o 2everything goes de alguns pós-modernos? Quer dizer, o “vale tudo”? Não é o vale tudo. Tudo vale na medida em que mantém relação com os outros, respeitando-os em sua diferença. Cada um é portador de verdade mas ninguém pode ter o monopólio dela. Todos, de alguma forma, participam da verdade. Mas podem crescer para uma verdade mais plena, na medida em que mais e mais se abrem uns aos outros.
Bem dizia o poeta espanhol António Machado: “Não a tua verdade. A verdade. Vem comigo buscá-la. A tua, guarde-a”. Se a buscarmos juntos, no diálogo e na cordialidade, então mais e mais desaparece a minha verdade para dar lugar à Verdade comungada por todos.
A ilusão do Ocidente é de imaginar que a única janela que dá acesso à verdade, à religião verdadeira, à autêntica cultura e ao saber crítico é o seu modo de ver e de viver. As demais janelas apenas mostram paisagens distorcidas. Ele se condena a um fundamentalismo visceral que o fez, outrora, organizar massacres ao impor a sua religião e, hoje, guerras para forçar a democracia no Iraque e no Afeganistão.
Devemos fazer o bom uso do relativismo, inspirados na culinária. Há uma só culinária, a que prepara os alimentos humanos. Mas ela se concretiza em muitas formas, as várias cozinhas: a mineira, a nordestina, a japonesa, a chinesa, a mexicana e outras. Ninguém pode dizer que só uma é a verdadeira e gostosa e as outras não. Todas são gostosas do seu jeito e todas mostram a extraordinária versatilidade da arte culinária.
Por que com a verdade deveria ser diferente?
LEONARDO BOFF

Vocabulário:
ref. 1: Alphavilles: condomínios de luxo
ref. 2: everything goes: literalmente, “todas as coisas vão”; equivale à expressão “vale tudo”


2. (Uerj 2009)  Eles não podem ser pensados independentemente uns dos outros, porque todos são portadores da mesma humanidade. (ref. 3)
Identifique a relação de sentido que a oração sublinhada estabelece com a parte do período que a antecede. Reescreva todo o período, substituindo o conectivo e mantendo essa mesma relação de sentido.


Resposta:

Uma das relações e uma das respectivas reescrituras:
• Causa
– Eles não podem ser pensados independentemente uns dos outros visto que todos são portadores da mesma humanidade.
Eles não podem ser pensados independentemente um dos outros já que todos são portadores da mesma humanidade.
Como todos são portadores da mesma humanidade, eles não podem ser pensados independentemente uns dos outros.
• Explicação
– Eles não podem ser pensados independentemente um dos outros, pois todos são portadores da mesma humanidade.




TEXTO PARA A PRÓXIMA QUESTÃO:
TEXTO II

A dança dos ossos

A noite, límpida e calma, tinha sucedido a uma tarde de pavorosa tormenta, nas profundas e vastas florestas que bordam as margens do Paranaíba, nos limites entre as províncias de Minas e de Goiás.
Eu viajava por esses lugares, e acabava de chegar ao porto, ou recebedoria, que há entre as duas províncias. Antes de entrar na mata, a tempestade tinha me surpreendido nas vastas e risonhas campinas que se estendem até a pequena cidade de Catalão, donde eu havia partido.
Seriam nove a dez horas da noite; junto a um fogo aceso defronte da porta da pequena casa da recebedoria, estava eu, com mais algumas pessoas, aquecendo os membros resfriados pelo terrível banho que a meu pesar tomara. A alguns passos de nós se desdobrava o largo veio do rio, refletindo em uma chispa retorcida, como uma serpente de fogo, o clarão avermelhado da fogueira. Por trás de nós estavam os cercados e as casinhas dos poucos habitantes desse lugar, e, por trás dessas casinhas, estendiam-se as florestas sem fim.
No meio do silêncio geral e profundo sobressaía o rugido monótono de uma cachoeira próxima, que
ora 1estrugia como se estivesse a alguns passos de distância, ora quase se 2esvaecia em abafados murmúrios, conforme o correr da viração.
4No sertão, ao cair da noite, todos tratam de dormir, como os passarinhos. As trevas e o silêncio são sagrados ao sono, que é o silêncio da alma.
5Só o homem nas grandes cidades, o tigre nas florestas, o 3mocho nas ruínas, as estrelas no céu e o gênio na solidão do gabinete costumam velar nessas horas que a natureza consagra ao repouso.
Entretanto, eu e meus companheiros, sem pertencer a nenhuma dessas classes, por uma exceção de regra estávamos acordados a essas horas.
Meus companheiros eram bons e robustos caboclos, dessa raça semisselvática e nômade, de origem dúbia entre o indígena e o africano, que vagueia pelas infindas florestas que correm ao longo do Paranaíba, e cujos nomes, decerto, não se acham inscritos nos assentos das freguesias, e nem figuram nas estatísticas que dão ao império... não sei quantos milhões de habitantes.

BERNARDO GUIMARÃES
TUFANO, Douglas (org.) Antologia do conto brasileiro. Do Romantismo ao
Modernismo. São Paulo: Moderna, 2005.

Vocabulário:
ref. 1: estrugia – vibrava fortemente
ref. 2: esvaecia – desfalecia
ref. 3: mocho – coruja


3. (Uerj 2009)  “Só o homem nas grandes cidades, o tigre nas florestas, o mocho nas ruínas, as estrelas no céu e o gênio na solidão do gabinete costumam velar nessas horas que a natureza consagra ao repouso.” (ref. 5)
Classifique sintaticamente a segunda oração do período acima. Em seguida, substitua essa oração por outra de sentido correspondente, sem conectivo, preservando sua estrutura inicial.


Resposta:

Classificação: subordinada adjetiva restritiva.
Oração: consagradas ao repouso pela natureza.




TEXTO PARA A PRÓXIMA QUESTÃO:
TEXTO IV

O dia abriu seu para-sol bordado

O dia abriu seu para-sol bordado
De nuvens e de verde ramaria.
E estava até um fumo, que subia,
Mi-nu-ci-o-sa-men-te desenhado.

Depois surgiu, no céu azul arqueado,
A Lua – a Lua! – em pleno meio-dia.
Na rua, um menininho que seguia
Parou, ficou a olhá-la admirado...

Pus meus sapatos na janela alta,
Sobre o rebordo... Céu é que lhes falta
Pra suportarem a existência rude!

E eles sonham, imóveis, deslumbrados,
Que são dois velhos barcos, encalhados
Sobre a margem tranquila de um açude..
MARIO QUINTANA
Prosa e verso. Porto Alegre: Globo, 1978.


4. (Uerj 2009)  Há no poema de Mario Quintana um mesmo sinal de pontuação – o ponto de exclamação – que aparece em versos diferentes e com sentidos distintos.
Explicite o valor semântico atribuído a esse sinal em cada um dos versos.


Resposta:

1ª ocorrência: surpresa, perplexidade.
2ª ocorrência: lástima, pesar.




TEXTO PARA A PRÓXIMA QUESTÃO:
A CIDADE SITIADA
(1949)

O subúrbio de S. Geraldo, no ano de 192..., já misturava ao cheiro de estrebaria algum progresso. Quanto mais fábricas se abriam nos arredores, mais o subúrbio se erguia em vida própria sem que os habitantes pudessem dizer que transformação os atingia. Os movimentos já se haviam congestionado e não se poderia atravessar uma rua sem desviar-se de uma carroça que os cavalos vagarosos puxavam, enquanto um automóvel impaciente buzinava atrás lançando fumaça. Mesmo os crepúsculos eram agora enfumaçados e sanguinolentos. De manhã, entre os caminhões que pediam passagem para a nova usina, transportando madeira e ferro, as cestas de peixe se espalhavam pela calçada, vindas através da noite de centros maiores. Dos sobrados desciam mulheres despenteadas com panelas, os peixes eram pesados quase na mão, enquanto vendedores em manga de camisa gritavam os preços. E quando sobre o alegre movimento da manhã soprava o vento fresco e perturbador, dir-se-ia que a população inteira se preparava para um embarque.
Ao pôr-do-sol galos invisíveis ainda cocoricavam. E misturando-se ainda à poeira metálica das fábricas o cheiro das vacas nutria o entardecer. Mas de noite, com as ruas subitamente desertas, já se respirava o silêncio com desassossego, como numa cidade; e nos andares piscando de luz todos pareciam estar sentados. As noites cheiravam a estrume e eram frescas. Às vezes chovia.
(LISPECTOR, Clarice. A Cidade sitiada. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982.)



5. (Uerj 2005)  Nos trechos transcritos a seguir, a conjunção ENQUANTO expressa o mesmo valor semântico fundamental, mas, em um deles, em virtude do contexto, ela expressa também um valor de contraste:

1) não se poderia atravessar uma rua sem desviar-se de uma carroça que os cavalos vagarosos puxavam, ENQUANTO um automóvel impaciente buzinava atrás lançando fumaça.
2) Dos sobrados desciam mulheres despenteadas com panelas, os peixes eram pesados quase na mão, ENQUANTO vendedores em manga de camisa gritavam os preços.

a) Classifique sintaticamente as orações introduzidas por ENQUANTO e indique o valor semântico fundamental expresso por essa conjunção nos dois trechos.
b) Identifique o trecho em que a conjunção expressa também o valor de contraste e justifique sua resposta.


Resposta:

a) Subordinadas adverbiais temporais.
Simultaneidade.

b) Trecho 1.
Há contraste entre: a impaciência do automóvel e a lentidão dos cavalos. 

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História e Geografia: http://araoalves.blogspot.com.br/

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