sábado, 16 de maio de 2015

Literatura na Uerj - Questões discursivas com gabarito comentado



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TEXTO PARA AS PRÓXIMAS 3 QUESTÕES:
O DIREITO À LITERATURA

            1Chamarei de literatura, da maneira mais ampla possível, todas as criações de toque poético, ficcional ou dramático em todos os níveis de uma sociedade, em todos os tipos de cultura, desde o que chamamos folclore, lenda, até as formas mais complexas e difíceis da produção escrita das grandes civilizações.
            Vista deste modo a literatura aparece claramente como manifestação universal de todos os homens em todos os tempos. Não há povo e não há homem que possa viver sem ela, isto é, sem a possibilidade de entrar em contato com alguma espécie de fabulação*. Assim como todos sonham todas as noites, ninguém é capaz de passar as vinte e quatro horas do dia sem alguns momentos de entrega ao universo fabulado. 2O sonho assegura durante o sono a presença indispensável deste universo, independentemente da nossa vontade. E durante a vigília a criação ficcional está presente em cada um de nós, como anedota, história em quadrinhos, noticiário policial, canção popular. Ela se manifesta desde o devaneio no ônibus até a atenção fixada na novela de televisão ou na leitura seguida de um romance.
            Ora, se ninguém pode passar vinte e quatro horas sem mergulhar no universo da ficção e da poesia, a literatura concebida no sentido amplo a que me referi parece corresponder a uma necessidade universal, que precisa ser satisfeita e cuja satisfação constitui um direito.
            Podemos dizer que 3a literatura é o sonho acordado das civilizações. Portanto, assim como não é possível haver equilíbrio psíquico sem o sonho durante o sono, talvez não haja equilíbrio social sem a literatura. Deste modo, ela é 4fator indispensável de humanização e, sendo assim, confirma o homem na sua humanidade, inclusive porque atua em grande parte no subconsciente e no inconsciente.
            Cada sociedade cria as suas manifestações ficcionais, poéticas e dramáticas de acordo com os seus impulsos, as suas crenças, os seus sentimentos, as suas normas, a fim de fortalecer em cada um a presença e atuação deles. Por isso é que nas nossas sociedades a literatura tem sido um instrumento poderoso de instrução e educação, entrando nos currículos, sendo proposta a cada um como equipamento intelectual e afetivo.

Antonio Candido
Adaptado de Vários escritos. São Paulo: Duas Cidades, 1995.

* fabulação − ficção


1.   O sonho assegura durante o sono a presença indispensável deste universo, independentemente da nossa vontade. (ref. 2)
a literatura é o sonho acordado das civilizações. (ref. 3)

O autor emprega a palavra sonho com sentidos distintos.
Indique os dois sentidos usados para a palavra sonho.
Em seguida, explique a associação feita no segundo trecho entre sonho e civilizações.


Resposta:

No primeiro trecho, “sonho” é entendido como fenômeno involuntário da mente; no segundo trecho, como criação consciente.
Na associação feita, não se trata mais de “sonho” como fenômeno restrito ao indivíduo, mas algo ligado à expressão de sentimentos, crenças, normas e laços de pertencimento coletivos, sociais.



  
2.   Chamarei de literatura, da maneira mais ampla possível, (ref. 1)

O trecho acima parte de uma pressuposição que o próprio autor contesta: a de que existiria uma maneira restrita de definir a literatura.
Identifique outro exemplo do primeiro parágrafo que contenha uma pressuposição e explique em que ela consiste.


Resposta:

O trecho em que o autor menciona e se refere a uma definição estrita de literatura é: desde o que chamamos de folclore, lenda, até as formas mais complexas e difíceis da produção escrita das grandes civilizações. A menção a formas mais complexas e difíceis da produção escrita pressupõe que as que foram mencionadas anteriormente, como o folclore e a lenda, são formas simples ou menos complexas.



  
3.   O autor afirma que a literatura é fator indispensável de humanização e, sendo assim, confirma o homem na sua humanidade, (ref. 4).

Cite dois argumentos que ele apresenta no texto para chegar a essa conclusão.


Resposta:

Dois dos argumentos:
- literatura aparece claramente como manifestação universal de todos os homens em todos os tempos.
- Não há povo e não há homem que possa viver sem ela, isto é, sem a possibilidade de entrar em contato com alguma espécie de fabulação.
- assim como não é possível haver equilíbrio psíquico sem o sonho durante o sono, talvez não haja equilíbrio social sem a literatura.
- Cada sociedade cria as suas manifestações ficcionais, poéticas e dramáticas de acordo com os seus impulsos, as suas crenças, os seus sentimentos, as suas normas.




TEXTO PARA A PRÓXIMA QUESTÃO:
O PRIMO BASÍLIO

            Ia encontrar Basílio no Paraíso pela primeira vez. 8E estava muito nervosa: não pudera dominar, desde pela manhã, um medo indefinido que lhe fizera pôr um véu muito espesso, e bater o coração ao encontrar Sebastião. Mas ao mesmo tempo uma curiosidade intensa, múltipla, impelia-a, com um estremecimentozinho de prazer. − Ia, enfim, ter ela própria aquela aventura que lera tantas vezes nos romances amorosos! Era uma forma nova do amor que ia experimentar, sensações excepcionais! Havia tudo − a casinha misteriosa, o segredo ilegítimo, todas as palpitações do perigo! Porque 9o aparato impressionava-a mais que o sentimento; e a casa em si interessava-a, atraía-a mais que Basílio! Como seria? (...) Desejaria antes que fosse no campo, numa 1quinta, com arvoredos murmurosos e relvas fofas; passeariam então, com as mãos enlaçadas, num silêncio poético; e depois o som da água que cai nas bacias de pedra daria um ritmo 2lânguido aos sonhos amorosos... Mas era num terceiro andar − quem sabe como seria dentro? (...)
            E ao descer o 3Chiado, sentia uma sensação deliciosa em ser assim levada rapidamente para o seu amante, e mesmo olhava com certo desdém os que passavam, no movimento da vida trivial − enquanto ela ia para uma hora tão romanesca da vida amorosa! (...) Imaginava Basílio esperando-a estendido num divã de seda; e quase receava que a sua simplicidade burguesa, pouco experiente, não achasse palavras bastante finas ou carícias bastante exaltadas. Ele devia ter conhecido mulheres tão belas, tão ricas, tão educadas no amor! Desejava chegar num 4cupê seu, com rendas de centos de mil-réis, e ditos tão espirituosos como um livro...
            A carruagem parou ao pé duma casa amarelada, com uma portinha pequena. Logo à entrada um cheiro mole e 5salobre enojou-a. A escada, de degraus gastos, subia ingrememente, apertada entre paredes onde a cal caía, e a umidade fizera 6nódoas. No patamar da sobreloja, uma janela com um gradeadozinho de arame, parda do pó acumulado, coberta de teias de aranha, coava a luz suja do saguão. E por trás duma portinha, ao lado, sentia-se o ranger dum berço, o chorar doloroso duma criança.
            (...)
            Luísa viu logo, ao fundo, uma cama de ferro com uma colcha amarelada, feita de remendos juntos de chitas diferentes; e os lençóis grossos, dum branco encardido e mal lavado, estavam 7impudicamente entreabertos...

Eça de Queirós
Obras de Eça de Queiroz. Porto: Lello & Irmão, s/d.

1quinta − pequena propriedade campestre
2lânguido − sensual
3Chiado − bairro de Lisboa
4cupê − antiga carruagem fechada
5salobre − salgado
6nódoas − manchas
7impudicamente − sem pudor


4.   E estava muito nervosa: não pudera dominar, desde pela manhã, um medo indefinido (ref. 8)

No trecho acima, o sinal de dois-pontos estabelece uma relação de sentido.
Identifique essa relação. Depois, reescreva o trecho, substituindo o sinal de dois-pontos por um
conectivo que mantenha a mesma relação de sentido. Faça adaptações, se for necessário.


Resposta:

A relação de sentido estabelecida é a relação de causa

E estava muito nervosa, porque não dominara ou uma vez que não dominava ou já que não conseguia dominar, desde pela manhã, um medo indefinido.




TEXTO PARA A PRÓXIMA QUESTÃO:
Língua

Esta língua é como um elástico
que espicharam pelo mundo.

No início era tensa,
de tão clássica.

Com o tempo, se foi amaciando,
foi-se tornando romântica,
incorporando os termos nativos
e amolecendo nas folhas de bananeira
as expressões mais sisudas.

Um elástico que já não se pode
mais trocar, de tão usado;
nem se arrebenta mais, de tão forte.

Um elástico assim como é a vida
que nunca volta ao ponto de partida.

GILBERTO MENDONÇA TELES
Hora aberta: poemas reunidos. Rio de Janeiro: José Olympio; Brasília: INL, 1986.  


5.   A terceira estrofe do poema Língua faz referência a uma importante transformação na expressão literária da língua portuguesa no Brasil.
Identifique o movimento artístico que se relaciona diretamente com essa transformação, situando-o cronologicamente. Em seguida, transcreva um trecho que comprove essa transformação e explique-o.


Resposta:

Trata-se do Romantismo brasileiro de cunho nativista, movimento artístico vinculado à segunda metade do século XIX, em que os escritores incorporavam palavras regionais e indígenas à língua portuguesa (“incorporando os termos nativos”), adequando-a à realidade e à natureza brasileiras (“amolecendo nas folhas de bananeira / as expressões mais sisudas”).




TEXTO PARA A PRÓXIMA QUESTÃO:
As descontroladas

As primeiras mulheres que passaram na calçada da Rio Branco chamavam-se melindrosas. Eram um tanto afetadas, com seu vestido de cintura baixa e longas franjas, mas a julgar por uma caricatura célebre de J. Carlos tinham sempre uma multidão de almofadinhas correndo atrás. O mundo, cem anos depois, mudou pouco no essencial. Diz-se agora que o homem “corre atrás do prejuízo”. De resto, porém, a versão nacional do assim caminha a humanidade segue o mesmo cortejo de sempre pela Rio Branco — com o detalhe que as mulheres trocaram as franjas pelo cós baixo da calça da Gang. E, evidentemente, não são mais chamadas de melindrosas.

Elas já atenderam por vários nomes. Uma “uva” era aquela que, de tão suculenta e bem-feita de curvas, devia abrir as folhas de sua parreira e deliciar os machos com a eternidade de sua sombra. 1Há cem anos as mulheres que circulam pela Rio Branco já foram chamadas de tudo e, diga-se a bem da verdade, algumas atenderam. Por aqui 3passou o “broto”, o “avião”, o “violão”, a “certinha”, o “pedaço”, a “deusa”, a “boazuda”, o “pitéu”, a “gata” e tantas outras que podem não estar mais no mapa, como as mulatas do Sargentelli, mas já estão no Houaiss eletrônico. Houve um momento que, de tão belas, chegaram a ficar perigosas. Chamavam-nas “pedaço de mau caminho” ou “chave de cadeia”. Algumas, de carne tão tenra, eram “frangas”.

Havia, de um modo geral, um louvor respeitoso na identificação de cada um desses tipos que sucederam as melindrosas. Gosto de lembrar daquela, ali pelo início dos 60, que era um “suco”. Talvez porque sucedesse o tipo de “uva” e fosse tão aperfeiçoada no inevitável processo de evolução da espécie que já viesse sem casca e, principalmente, sem os caroços. Sempre prontinhas para beber. De uns tempos para cá, quando se pensava que na esquina surgiria um vinho de safra especial, a coisa avinagrou. As mulheres ficam cada vez mais lindas mas os homens, na hora de homenageá-las, inventam rótulos de carinho duvidoso. O “broto”, o “violão” e o “pitéu” na versão arroba ponto com 2000 era a “popozuda”. Depois, software 2001, veio a “cachorra”, a “sarada”. Pasmem: era elogio. Algumas continuavam atendendo.

Agora está entrando em cena, perfilada num funk do grupo As Panteras — um rótulo que, a propósito, notou a evolução das “gatas” —, a mulher do tipo “descontrolada”. (...). Não é exatamente o que o almofadinha lá do início diria no encaminhamento do eterno processo sedutivo, mas, afinal, homem nenhum também carrega mais almofadas para se sentar no bonde. Sequer bondes 2há. Já fomos “pães”. Muito doce, não pegou. Somos todos lamentáveis “tigrões” em nossa triste sina de matar um leão por dia.

Elas mereciam verbetes melhores, que se lhes ajustassem perfeitos, redondos, como a tal calça da Gang. A língua das ruas anda avacalhando com as nossas “minas”, para usar a última expressão em que as mulheres foram saudadas com delicadeza e exatidão — dentro da mina, afinal, 4cabe tanto a pepita de ouro como a cavidade que se enche de pólvora para explodir e destruir tudo o que estiver em cima.

A deusa da nossa rua, que sempre pisou os astros distraída, não passa hoje de “tchutchuca marombada” ou “popozuda descontrolada”. É pouco para quem caminha nas pedrinhas portuguesas como se São Pedro fosse sobre as águas bíblicas. Algumas delas, uvas do vinho sagrado, santas apenas no aguardo da beatificação vaticana, provocando ainda maior alvoroço, alumbramento e estupefação dos sentidos.

JOAQUIM FERREIRA DOS SANTOS
O que as mulheres procuram na bolsa: crônicas. Rio de Janeiro: Record, 2004.  


6.   Observe os verbos sublinhados nas passagens abaixo, todos no singular:

cem anos as mulheres que circulam pela Rio Branco já foram chamadas de tudo (ref. 1)
Sequer bondes . (ref. 2)

Por aqui passou o broto, o avião, (...) e tantas outras que podem não estar mais no mapa, (ref. 3)
dentro da mina, afinal, cabe tanto a pepita de ouro como a cavidade que se enche de pólvora (ref. 4)

Explique, com base nas regras de concordância da norma padrão, por que, nesses exemplos, o verbo haver fica sempre no singular, e por que passar e caber poderiam estar no plural: passaram e cabem.


Resposta:

O verbo “haver” fica no singular por ser impessoal nos dois exemplos. Já “Passar” e “caber” possuem sujeito composto, mas como este está posposto, o verbo pode concordar com o núcleo mais próximo, como ocorre nos exemplos, ou com a totalidade, indo para o plural.




TEXTO PARA A PRÓXIMA QUESTÃO:
Inocência

Depois das explicações dadas ao seu hóspede, sentiu-se o mineiro mais despreocupado.
— Então, disse ele, se quiser, vamos já ver a nossa doentinha.
— Com muito gosto, concordou Cirino.
E, saindo da sala, acompanhou Pereira, que o fez passar por duas cercas e rodear a casa toda, antes de tomar a porta do fundo, fronteira a magnífico laranjal, naquela ocasião todo pontuado das brancas e olorosas flores.
1— Neste lugar, disse o mineiro apontando para o pomar, todos os dias se juntam tamanhos bandos de graúnas, que é um barulho dos meus pecados. Nocência gosta muito disso e vem sempre coser debaixo do arvoredo. É uma menina esquisita...
Parando no limiar da porta, continuou com expansão:
2— Nem o Sr. imagina... Às vezes, aquela criança tem lembranças e perguntas que me fazem embatucar... Aqui, havia um livro de horas da minha defunta avó... Pois não é que 3um belo dia ela me pediu que lhe ensinasse a ler? ... Que ideia! Ainda há pouco tempo me disse que quisera ter nascido princesa... Eu lhe retruquei: E sabe você o que é ser princesa? Sei, me secundou ela com toda a clareza, é uma moça muito boa, muito bonita, que tem uma coroa de diamantes na cabeça, muitos lavrados no pescoço e que manda nos homens... Fiquei meio tonto. 4E se o Sr. visse os modos que tem com os bichinhos?! ... Parece que está falando com eles e que os entende... (...) Quando Cirino penetrou no quarto da filha do mineiro, era quase noite, de maneira que, no primeiro olhar que atirou ao redor de si, só pôde lobrigar, além de diversos trastes de formas antiquadas, uma dessas camas, muito em uso no interior; altas e largas, feitas de tiras de couro engradadas. (...)
Mandara Pereira acender uma vela de sebo. Vinda a luz, aproximaram-se ambos do leito da enferma que, achegando ao corpo e puxando para debaixo do queixo uma coberta de algodão de Minas, se encolheu toda, e voltou-se para os que entravam.
— Está aqui o doutor, disse-lhe Pereira, que vem curar-te de vez.
— Boas noites, dona, saudou Cirino.
Tímida voz murmurou uma resposta, ao passo que o jovem, no seu papel de médico, se sentava num escabelo junto à cama e tomava o pulso à doente.
Caía então luz de chapa sobre ela, iluminando-lhe o rosto, parte do colo e da cabeça, coberta por um lenço vermelho atado por trás da nuca.
Apesar de bastante descorada e um tanto magra, era Inocência de beleza deslumbrante.
Do seu rosto, irradiava singela expressão de encantadora ingenuidade, realçada pela meiguice do olhar sereno que, a custo, parecia coar por entre os cílios sedosos a franjar-lhe as pálpebras, e compridos a ponto de projetarem sombras nas mimosas faces.
Era o nariz fino, um bocadinho arqueado; a boca pequena, e o queixo admiravelmente torneado.
Ao erguer a cabeça para tirar o braço de sob o lençol, descera um nada a camisinha de crivo que vestia, deixando nu um colo de fascinadora alvura, em que ressaltava um ou outro sinal de nascença.
Razões de sobra tinha, pois, o pretenso facultativo para sentir a mão fria e um tanto incerta, e não poder atinar com o pulso de tão gentil cliente.

VISCONDE DE TAUNAY
Inocência. São Paulo: Ática, 2011.

graúna – pássaro de plumagem negra, canto melodioso e hábitos eminentemente sociais
livro de horas – livro de preces
secundou – respondeu
lavrados – na província de Mato Grosso, colares de contas de ouro e adornos de ouro e prata
lobrigar – enxergar
escabelo – assento
facultativo – médico


7.   Neste lugar, disse o mineiro apontando para o pomar, todos os dias se juntam tamanhos bandos de graúnas, que é um barulho dos meus pecados. Nocência gosta muito disso e vem sempre coser debaixo do arvoredo. (ref. 1)

Nesta passagem, há duas palavras, de mesma classificação gramatical, empregadas pelo locutor para indicar a proximidade ou distância do elemento a que se referem.
Cite essas palavras e identifique sua classificação gramatical.
Transcreva o trecho em que uma dessas palavras se refere a uma informação presente no próprio texto.  


Resposta:

Os pronomes (n)este e (d)isso são usados pelo locutor para indicar a proximidade ou distância do elemento a que se referem, como em “Neste lugar” e “Nocência gosta muito disso”.




TEXTO PARA A PRÓXIMA QUESTÃO:
Natal

Jesus nasceu! Na abóbada infinita
Soam cânticos vivos de alegria;
E toda a vida universal palpita
Dentro daquela pobre estrebaria...

Não houve sedas, nem cetins, nem rendas
No berço humilde em que nasceu Jesus...
Mas os pobres trouxeram oferendas
Para quem tinha de morrer na Cruz.

Sobre a palha, risonho, e iluminado
Pelo luar dos olhos de Maria,
Vede o Menino-Deus, que está cercado
Dos animais da pobre estrebaria.

Não nasceu entre pompas reluzentes;
Na humildade e na paz deste lugar,
Assim que abriu os olhos inocentes,
Foi para os pobres seu primeiro olhar.

No entanto, os reis da terra, pecadores,
Seguindo a estrela que ao presepe os guia,
Vêm cobrir de perfumes e de flores
O chão daquela pobre estrebaria.

Sobem hinos de amor ao céu profundo;
Homens, Jesus nasceu! Natal! Natal!
Sobre esta palha está quem salva o mundo,
Quem ama os fracos, quem perdoa o Mal!

Natal! Natal! Em toda Natureza
Há sorrisos e cantos, neste dia...
Salve, Deus da Humildade e da Pobreza,
Nascido numa pobre estrebaria!

OLAVO BILAC
In: BUENO, Alexei (org.). Olavo Bilac: obra reunida.
Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1996.


8.   Vede o Menino-Deus, que está cercado (v. 11)

As formas verbais deste verso modificam a representação do fato relatado, já que nas duas primeiras estrofes predomina o tempo passado dos verbos.
Explicite o efeito estilístico causado pelo emprego de cada uma dessas formas verbais: uma no modo imperativo e outra no presente do indicativo.


Resposta:


Os termos verbais “vede” e “está” interrompem o fato relatado anteriormente nas duas primeiras estrofes do poema. Assim, com o modo imperativo, o enunciador dirige-se aos homens, convocando-os a olhar o Menino-Deus. Com o presente do indicativo, o enunciador torna a cena atual e viva, como se ela se desenrolasse diante das pessoas que ali estão presentes. 



Construindo respostas na Prova da Uerj - Professor Arão Alves - História do Brasil


sexta-feira, 26 de julho de 2013

Literatura e interpretação no ENEM - questões com gabarito comentado


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TEXTO PARA AS PRÓXIMAS 2 QUESTÕES:
Recordações do escrivão Isaías Caminha

Eu não sou literato, detesto com toda a paixão essa espécie de animal. O que observei neles, no tempo em que estive na redação do O Globo, foi o bastante para não os amar, nem os imitar. 1São em geral de uma lastimável limitação de ideias, cheios de fórmulas, de receitas, 9só capazes de colher fatos detalhados e impotentes para generalizar, curvados aos fortes e às ideias vencedoras, e antigas, adstritos a um infantil fetichismo do estilo e guiados por conceitos obsoletos e um pueril e errôneo critério de beleza. Se me esforço por fazê-lo literário é para que ele possa ser lido, pois quero falar das minhas dores e dos meus sofrimentos ao espírito geral e no seu interesse, com a linguagem acessível a ele. É esse o meu propósito, o meu único propósito. Não nego que para isso tenha procurado modelos e normas. Procurei-os, confesso; e, agora mesmo, ao alcance das mãos, tenho os autores que mais amo. (...) 5Confesso que os leio, que os estudo, que procuro descobrir nos grandes romancistas o segredo de fazer. 6Mas não é a ambição literária que me move ao procurar esse dom misterioso para animar e fazer viver estas pálidas Recordações. Com elas, queria modificar a opinião dos meus concidadãos, obrigá-los a pensar de outro modo, a não se encherem de hostilidade e má vontade quando encontrarem na vida um rapaz como eu e com os desejos que tinha há dez anos passados. Tento mostrar que são legítimos e, se não merecedores de apoio, pelo menos dignos de indiferença.

7Entretanto, quantas dores, quantas angústias! 2Vivo aqui só, isto é, sem relações intelectuais de qualquer ordem. Cercam-me dois ou três bacharéis idiotas e um médico mezinheiro, 10repletos de orgulho de suas cartas que sabe Deus como tiraram. (...) Entretanto, se eu amanhã lhes fosse falar neste livro - que espanto! que sarcasmo! que crítica desanimadora não fariam. Depois que se foi o doutor Graciliano, excepcionalmente simples e esquecido de sua carta apergaminhada, nada digo das minhas leituras, não falo das minhas lucubrações intelectuais a ninguém, e minha mulher, quando me demoro escrevendo pela noite afora, grita-me do quarto:

3– Vem dormir, Isaías! Deixa esse relatório para amanhã!

De forma que não tenho por onde aferir se as minhas Recordações preenchem o fim a que as destino; se a minha inabilidade literária está prejudicando completamente o seu pensamento. Que tortura! E não é só isso: envergonho-me por esta ou aquela passagem em que me acho, em que 11me dispo em frente de desconhecidos, como uma mulher pública... 12Sofro assim de tantos modos, por causa desta obra, que julgo que esse mal-estar, com que às vezes acordo, vem dela, unicamente dela. Quero abandoná-la; mas não posso absolutamente. De manhã, ao almoço, na coletoria, na botica, jantando, banhando-me, só penso nela. À noite, quando todos em casa se vão recolhendo, insensivelmente aproximo-me da mesa e escrevo furiosamente. Estou no sexto capítulo e ainda não me preocupei em fazê-la pública, anunciar e arranjar um bom recebimento dos detentores da opinião nacional. 13Que ela tenha a sorte que merecer, mas que possa também, amanhã ou daqui a séculos, despertar um escritor mais hábil que a refaça e que diga o que não pude nem soube dizer.

(...) 8Imagino como um escritor hábil não saberia dizer o que eu senti lá dentro. Eu que sofri e pensei não o sei narrar. 4Já por duas vezes, tentei escrever; mas, relendo a página, achei-a incolor, comum, e, sobretudo, pouco expressiva do que eu de fato tinha sentido.

LIMA BARRETO
Recordações do escrivão Isaías Caminha. São Paulo: Penguin Classics Companhia das Letras, 2010.


1. (Uerj 2013)  O texto de Lima Barreto explora o recurso da metalinguagem, ao comentar, na sua ficção, o próprio ato de compor uma ficção. Esse recurso está exemplificado principalmente em:
a) São em geral de uma lastimável limitação de ideias, (ref. 1)   
b) Vivo aqui só, isto é, sem relações intelectuais de qualquer ordem. (ref. 2)   
c) – Vem dormir, Isaías! Deixa esse relatório para amanhã! (ref. 3)   
d) Já por duas vezes, tentei escrever; mas, relendo a página, achei-a incolor, comum, (ref. 4)   


Resposta:

[D]

Na frase da opção [D] existe metalinguagem, ato de comunicação em que se usa a linguagem para falar sobre a própria linguagem.



  
2. (Uerj 2013)  O emprego de sinais de pontuação contribui para a construção do sentido dos textos. O emprego de exclamações, no segundo parágrafo, reforça o seguinte elemento relativo ao narrador:
a) ironia   
b) mágoa   
c) timidez   
d) insegurança   


Resposta:

[B]

As exclamações, que emprestam forte carga subjetiva às frases nominais (“quantas dores, quantas angústias!”, “que espanto! que sarcasmo!”), revelam o sentimento de mágoa do narrador perante a hipocrisia social em que se sente mergulhado.



  
3. (Enem 2012)  TEXTO I

Antigamente

Antigamente, os pirralhos dobravam a língua diante dos pais e se um se esquecia de arear os dentes antes de cair nos braços de Morfeu, era capaz de entrar no couro. Não devia também se esquecer de lavar os pés, sem tugir nem mugir. Nada de bater na cacunda do padrinho, nem de debicar os mais velhos, pois levava tunda. Ainda cedinho, aguava as plantas, ia ao corte e logo voltava aos penates. Não ficava mangando na rua nem escapulia do mestre, mesmo que não entendesse patavina da instrução moral e cívica. O verdadeiro smart calçava botina de botões para comparecer todo liró ao copo d’água, se bem que no convescote apenas lambiscasse, para evitar flatos. Os bilontras é que eram um precipício, jogando com pau de dois bicos, pelo que carecia muita cautela e caldo de galinha. O melhor era pôr as barbas de molho diante de um treteiro de topete, depois de fintar e engambelar os coiós, e antes que se pudesse tudo em pratos limpos, ele abria o arco.

ANDRADE, C. D. Poesia e prosa. Rio de janeiro: nova Aguilar, 1983 (fragmento).

TEXTO II

Palavras do arco da velha


Expressão
Significado

Cair nos braços de Morfeu
Dormir

Debicar
Zombar, ridicularizar

Tunda
Surra

Mangar
Escarnecer, caçoar

Tugir
Murmurar

Liró
Bem-vestido

Copo d’água
Lanche oferecido pelos amigos

Convescote
Piquenique

Bilontra
Velhaco

Treteiro de topete
Tratante atrevido

Abrir o arco
Fugir


FLORIN, J. L. As línguas mudam. In: Revista Língua Portuguesa, n. 24, out. 2007 (adaptado).

Na leitura do fragmento do texto Antigamente constata-se, pelo emprego de palavras obsoletas, que itens lexicais outrora produtivos não mais o são no português brasileiro atual. Esse fenômeno revela que
a) a língua portuguesa de antigamente carecia de termos para se referir a fatos e coisas do cotidiano.   
b) o português brasileiro se constitui evitando a ampliação do léxico proveniente do português europeu.   
c) a heterogeneidade do português leva a uma estabilidade do seu léxico no eixo temporal.   
d) o português brasileiro apoia-se no léxico inglês para ser reconhecido como língua independente.   
e) o léxico do português representa uma realidade linguística variável e diversificada.   


Resposta:

[E]

O escritor usa o bom humor para enumerar comportamentos do passado através de expressões também notoriamente ultrapassadas. Tal recurso coloca em evidência que o léxico do português é suscetível de mudanças relativamente a tempo e espaço, refletindo a diversidade dos enunciantes. Assim, é correta a opção [E].



  
4. (Enem 2012)  Aquele bêbado

— Juro nunca mais beber — e fez o sinal da cruz com os indicadores. Acrescentou: — Álcool.

O mais, ele achou que podia beber. Bebia paisagens, músicas de Tom Jobim, versos de Mário Quintana. Tomou um pileque de Segall. Nos fins de semana embebedava-se de Índia Reclinada, de Celso Antônio.

— Curou-se 100% de vício — comentavam os amigos.

Só ele sabia que andava bêbado que nem um gambá. Morreu de etilismo abstrato, no meio de uma carraspana de pôr do sol no Leblon, e seu féretro ostentava inúmeras coroas de ex-alcoólatras anônimos.

ANDRADE, C. D. Contos plausíveis. Rio de Janeiro: Record, 1991.

A causa mortis do personagem, expressa no último parágrafo, adquire um efeito irônico no texto porque, ao longo da narrativa, ocorre uma
a) metaforização do sentido literal do verbo “beber”.   
b) aproximação exagerada da estética abstracionista.   
c) apresentação gradativa da coloquialidade da linguagem.   
d) exploração hiperbólica da expressão “inúmeras coroas”.   
e) citação aleatória de nomes de diferentes artistas.   


Resposta:

[A]

Em “Aquele bêbado”, o personagem decidiu que iria deixar de consumir álcool, mas acabou por morrer de “etilismo abstrato”. O paradoxo da expressão revela o uso metafórico do verbo “beber” para descrever a atitude apaixonada de quem se entrega às sensações para admirar intensamente o espetáculo da vida e usufruir do prazer pleno que as múltiplas e variadas manifestações artísticas lhe provocavam. Assim, é correta a opção [A].



  
5. (Enem 2012)  Labaredas nas trevas
Fragmentos do diário secreto de
Teodor Konrad Nalecz Korzeniowski

20 DE JULHO [1912]
Peter Sumerville pede-me que escreva um artigo sobre Crane. Envio-lhe uma carta: “Acredite-me, prezado senhor, nenhum jornal ou revista se interessaria por qualquer coisa que eu, ou outra pessoa, escrevesse sobre Stephen Crane. Ririam da sugestão. [...] Dificilmente encontro alguém, agora, que saiba quem é Stephen Crane ou lembre-se de algo dele. Para os jovens escritores que estão surgindo ele simplesmente não existe”.

20 DE DEZEMBRO [1919]
Muito peixe foi embrulhado pelas folhas de jornal. Sou reconhecido como o maior escritor vivo da língua inglesa. Já se passaram dezenove anos desde que Crane morreu, mas eu não o esqueço. E parece que outros também não. The London Mercury resolveu celebrar os vinte e cinco anos de publicação de um livro que, segundo eles, foi “um fenômeno hoje esquecido” e me pediram um artigo.

FONSECA, R. Romance negro e outras histórias. São Paulo: Companhia das Letras, 1992 (fragmentado).

Na construção de textos literários, os autores recorrem com frequência a expressões metafóricas. Ao empregar o enunciado metafórico “Muito peixe foi embrulhado pelas folhas de jornal”, pretendeu-se estabelecer, entre dois fragmentos do texto em questão, uma relação semântica de
a) Causalidade, segundo a qual se relacionam as partes de um texto, em que uma contém a causa e a outra, a consequência.   
b) Temporalidade, segundo a qual se articulam as partes de um texto, situando no tempo o que é relatado nas partes em questão.   
c) Condicionalidade, segundo a qual se combinam duas partes de um texto, em que uma resulta ou depende de circunstâncias apresentadas à outra.   
d) Adversidade, segundo a qual se articulam duas partes de um texto em que uma apresenta uma orientação argumentativa distinta e oposta à outra.   
e) Finalidade, segundo a qual se articulam duas partes de um texto em que uma apresenta o meio, por exemplo, para uma ação e a outra, o desfecho da mesma.   


Resposta:

[B]

É correta a opção [A], pois a expressão “Muito peixe foi embrulhado pelas folhas de jornal” alude metaforicamente ao tempo que decorreu entre o primeiro e segundo fragmentos escritos pelo personagem narrador, Teodor Konrad.



  
6. (Enem 2012)  Cabeludinho

Quando a Vó me recebeu nas férias, ela me apresentou aos amigos: Este é meu neto. Ele foi estudar no Rio e voltou de ateu. Ela disse que eu voltei de ateu. Aquela preposição deslocada me fantasiava de ateu. Como quem dissesse no Carnaval: aquele menino está fantasiado de palhaço. Minha avó entendia de regências verbais. Ela falava de sério. Mas todo-mundo riu. Porque aquela preposição deslocada podia fazer de uma informação um chiste. E fez. E mais: eu acho que buscar a beleza nas palavras é uma solenidade de amor. E pode ser instrumento de rir. De outra feita, no meio da pelada um menino gritou: Disilimina esse, Cabeludinho. Eu não disilimei ninguém. Mas aquele verbo novo trouxe um perfume de poesia a nossa quadra. Aprendi nessas férias a brincar de palavras mais do que trabalhar com elas. Comecei a não gostar de palavra engavetada. Aquela que não pode mudar de lugar. Aprendi a gostar mais das palavras pelo que elas entoam do que pelo que elas informam. Por depois ouvi um vaqueiro a cantar com saudade: Ai morena, não me escreve / que eu não sei a ler. Aquele a preposto ao verbo ler, ao meu ouvir, ampliava a solidão do vaqueiro.

BARROS, M. Memórias inventadas: a infância. São Paulo: Planeta, 2003.

No texto, o autor desenvolve uma reflexão sobre diferentes possibilidades de uso da língua e sobre os sentidos que esses usos podem produzir, a exemplo das expressões “voltou de ateu”, “desilimina esse” e “eu não sei a ler”. Com essa reflexão, o autor destaca
a) os desvios linguísticos cometidos pelos personagens do texto.   
b) a importância de certos fenômenos gramaticais para o conhecimento da língua portuguesa.   
c) a distinção clara entre a norma culta e as outras variedades linguísticas.   
d) o relato fiel de episódios vividos por Cabeludinho durante as suas férias.   
e) a valorização da dimensão lúdica e poética presente nos usos coloquiais da linguagem.   


Resposta:

[E]

Manoel de Barros, ao afirmar que “buscar a beleza nas palavras é uma solenidade de amor. E pode ser instrumento de rir”, demonstra que valoriza a essência da linguagem coloquial, interpretando neologismos, expressões e particularidades da fala. Segundo o autor, embora se afastem do sentido literal das palavras e desobedeçam a regras gramaticais, esses “desvios” contribuem para ampliar o seu significado e imprimem a função poética ao enunciado. Assim, é correta a opção [E].



  
7. (Enem 2012)  Leia.

O senhor

Carta a uma jovem que, estando em uma roda em que dava aos presentes o tratamento de você, se dirigiu ao autor chamando-o “o senhor”:

Senhora:

Aquele a quem chamastes senhor aqui está, de peito magoado e cara triste, para vos dizer que senhor ele não é, de nada, nem de ninguém.

Bem o sabeis, por certo, que a única nobreza do plebeu está em não querer esconder sua condição, e esta nobreza tenho eu. Assim, se entre tantos senhores ricos e nobres a quem chamáveis você escolhestes a mim para tratar de senhor, e bem de ver que só poderíeis ter encontrado essa senhoria nas rugas de minha testa e na prata de meus cabelos. Senhor de muitos anos, eis aí; o território onde eu mando é no país do tempo que foi. Essa palavra “senhor”, no meio de uma frase, ergueu entre nós um muro frio e triste.

Vi o muro e calei: não é de muito, eu juro, que me acontece essa tristeza; mas também não era a vez primeira.

BRAGA, R. A borboleta amarela. Rio de Janeiro: Record, 1991.

A escolha do tratamento que se queira atribuir a alguém geralmente considera as situações específicas de uso social. A violação desse princípio causou um mal-estar no autor da carta. O trecho que descreve essa violação é:
a) “Essa palavra, ‘senhor’, no meio de uma frase ergueu entre nós um muro frio e triste”.   
b) “A única nobreza do plebeu está em não querer esconder a sua condição”.   
c) “Só poderíeis ter encontrado essa senhoria nas rugas de minha testa”.   
d) “O território onde eu mando é no país do tempo que foi”.   
e) “Não é de muito, eu juro, que acontece essa tristeza; mas também não era a vez primeira”.   


Resposta:

[A]

Percebe-se que a sensação de mal-estar do autor da carta tinha sido provocada pela forma de tratamento com que uma jovem se dirigira a ele. Na opção [A], transcreve-se a frase comprovativa de que o tratamento distante e cerimonioso não tinha sido adequado ao ambiente informal e excluíra o autor do grupo de pessoas que era tratado à vontade.



  
8. (Enem 2012)  E como manejava bem os cordéis de seus títeres, ou ele mesmo, títere voluntário e consciente, como entregava o braço, as pernas, a cabeça, o tronco, como se desfazia de suas articulações e de seus reflexos quando achava nisso conveniência. Também ele soubera apoderar-se dessa arte, mais artifício, toda feita de sutilezas e grosserias, de expectativa e oportunidade, de insônia e submissão, de silêncios e rompantes, de anulação e prepotência. Conhecia a palavra exata para o momento preciso, a frase picante ou obscena no ambiente adequado, o tom humilde diante do superior útil, o grosseiro diante do inferior, o arrogante quando o poderoso em nada o podia prejudicar. Sabia desfazer situações equivocadas, e armar intrigas das quais se saía sempre bem, e sabia, por experiência própria, que a fortuna se ganha com uma frase, num dado momento, que este momento único, irrecuperável, irreversível, exige um estado de alerta para sua apropriação.

RAWET, S. O aprendizado. In: Diálogo. Rio de janeiro: GRD, 1963 (fragmentado).

No conto, o autor retrata criticamente a habilidade do personagem no manejo de discursos diferentes segundos a posição do interlocutor na sociedade. A crítica à conduta do personagem está centrada
a) Na imagem do títere ou fantoche em que o personagem acaba por se transformar, acreditando dominar os jogos de poder na linguagem.   
b) Na alusão à falta de articulações e reflexos do personagem, dando a entender que ele não possui o manejo dos jogos discursivos em todas as situações.   
c) No comentário, feito em tom de censura pelo autor, sobre as frases obscenas que o personagem emite em determinados ambientes sociais.   
d) Nas expressões que mostram tons opostos nos discursos empregados aleatoriamente pelo personagem em conversas com interlocutores variados.   
e) No falso elogio à originalidade atribuída a esse personagem, responsável por seu sucesso no aprendizado das regras de linguagem da sociedade.   


Resposta:

[A]

O narrador apresenta o personagem como um indivíduo sem caráter que manipulava os outros com a habilidade do discurso e também se moldava hipocritamente a ideias ou comportamentos alheios quando isso lhe era conveniente: “ele mesmo, títere voluntário e consciente, como entregava o braço, as pernas, a cabeça, o tronco, como se desfazia de suas articulações e de seus reflexos quando achava nisso conveniência”. Assim, é correta a opção [A].



  
9. (Enem 2012)  Desde dezoito anos que o tal patriotismo lhe absorvia e por ele fizera a tolice de estudar inutilidades. Que lhe importavam os rios? Eram grandes? Pois que fossem... Em que lhe contribuía para a felicidade saber o nome dos heróis do Brasil? Em nada... O importante é que ele tivesse sido feliz. Foi? Não. Lembrou-se das coisas do tupi, do folk-lore, das suas tentativas agrícolas... Restava disso tudo em sua alma uma satisfação? Nenhuma! Nenhuma!

O tupi encontrou a incredulidade geral, o riso, a mofa, o escárnio; e levou-o à loucura. Uma decepção. E a agricultura? Nada. As terras não eram ferazes e ela não era fácil como diziam os livros. Outra decepção. E, quando o seu patriotismo se fizera combatente, o que achara? Decepções. Onde estava a doçura de nossa gente? Pois ele a viu combater como feras? Pois não a via matar prisioneiros, inúmeros? Outra decepção. A sua vida era uma decepção, uma série, melhor, um encadeamento de decepções.

A pátria que quisera ter era um mito; um fantasma criado por ele no silêncio de seu gabinete.

BARRETO, L. Triste fim de Policarpo Quaresma. Disponível em: www.dominiopublico.gov.br. Acesso em: 8 nov. 2011.

O romance Triste fim de Policarpo Quaresma, de Lima Barreto, foi publicado em 1911. No fragmento destacado, a reação do personagem aos desdobramentos de suas iniciativas patrióticas evidencia que
a) A dedicação de Policarpo Quaresma ao conhecimento da natureza brasileira levou-o a estudar inutilidades, mas possibilitou-lhe uma visão mais ampla do país.   
b) A curiosidade em relação aos heróis da pátria levou-o ao ideal de prosperidade e democracia que o personagem encontra no contexto republicano.   
c) A construção de uma pátria a partir de elementos míticos, como a cordialidade do povo, a riqueza do solo e a pureza linguística, conduz à frustração ideológica.   
d) A propensão do brasileiro ao riso, ao escárnio, justifica a reação de decepção e desistência de Policarpo Quaresma, que prefere resguardar-se em seu gabinete.   
e) A certeza da fertilidade da terra e da produção agrícola incondicional faz parte de um projeto ideológico salvacionista, tal como foi difundido na época do autor.   


Resposta:

[C]

É correta a opção [C], pois o fragmento destacado é revelador de reflexões amargas e da desilusão de Policarpo sobre os três projetos (linguístico, agrícola e político) que havia idealizado para ao Brasil e não tinham dado certo. Ridicularizado por todos e acusado de traição à pátria, tem consciência de que o país que sonhara nada tinha a ver com a realidade que o cercava e todos os seus esforços haviam sido inúteis e ingênuos.



  
10. (Enem 2012)  Ai, palavras, ai, palavras
Que estranha potência a vossa!

Todo o sentido da vida
Principia a vossa porta:
O mel do amor cristaliza
Seu perfume em vossa rosa;
Sois o sonho e sois a audácia,
Calúnia, fúria, derrota...

A liberdade das almas,
ai! Com letras se elabora...
e dos venenos humanos
sois a mais fina retorta:
frágil, frágil, como o vidro
e mais que o aço poderosa!
Reis, impérios, povos, tempos,
pelo vosso impulso rodam...

MEIRELES, C. Obra poética. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1985 (fragmento).

O fragmento destacado foi transcrito do Romanceiro da Independência, de Cecília Meireles. Centralizada no episódio histórico da Inconfidência Mineira, a obra, no entanto, elabora uma reflexão mais ampla sobre a seguinte relação entre o homem e a linguagem:
a) A força e a resistência humanas superam os danos provocados pelo poder corrosivo das palavras.   
b) As relações humanas, em suas múltiplas esferas, têm seu equilíbrio vinculado aos significado das palavras.   
c) O significado dos nomes não expressa de forma justa e completa a grandeza da luta do homem pela vida.   
d) Renovando o significado das palavras, o tempo permite às gerações perpetuar seus valores e suas crenças.   
e) Como produto da criatividade humana, a linguagem tem seu alcance limitado pelas intenções e gestos.   


Resposta:

[B]

É correta a opção [B], pois o poema destaca a potência das palavras em designar as relações humanas, tanto no âmbito das realizações, dos sentimentos ou da construção do imaginário sensível: “amor”, “sonho”, “audácia”, “calúnia”, “fúria”, “derrota”.


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