terça-feira, 27 de novembro de 2012

Específica da Uerj - Interpretação de texto - questões discursivas com gabarito comentado





1. (Uerj 2012)  TEXTO II

Ele está cansado, é quase meia-noite, e pode afinal voltar para casa. (...). No edifício da esquina, o mesmo cachorro de focinho enterrado na lata de lixo. Ao passar sob as árvores, ao menor arrepio do vento, gotas borrifam-lhe o rosto, que ele não se incomoda de enxugar.
Ao mexer no portão, o cachorrinho late duas vezes – estou aqui, meu velho – e, 1por mais que saltite ao seu lado, procurando alcançar-lhe a mão, ele não o agrada. (...)
Prevenido, desvia-se do aquário sobre o piano: o peixinho dourado conhece os seus passos e de puro exibicionismo entrega-se às mais loucas evoluções.
Ele respira fundo e, cabisbaixo, entra no quarto. 2A mulher, sentada na cama, a folhear sempre uma revista (é a mesma revista antiga), olha para ele, mas ele não a olha.
No banheiro, veste em surdina o pijama e, ao lavar as mãos, recolhe da pia os longos cabelos alheios. Escova de leve os dentes, sem evitar que sangrem as gengivas.
– Ai, como é triste a velhice... – confessa para o espelho, e são palavras que não querem dizer nada.
Aperta as torneiras da pia, do chuveiro e do bidê – se uma delas pingasse ele já não poderia dormir.
Na passagem, apanha o livro sobre o guarda-roupa – ele a olhou de relance, mas ela não o olhou – e dirige-se para a sala, onde acende a lâmpada ao lado da poltrona. Em seguida, descalço, sobe na cadeira e com a chave dá corda ao relógio. Entra na cozinha e, ao abrir a luz, pretende não ver a mesma barata na sua corrida tonta pelos cantos. Deita um jarro d’água no filtro e bebe meio copo, que enxuga no pano e põe de volta no armário.
Antes de sentar na poltrona, detém-se diante do quarto da filha – a porta está aberta, mas ele não entra. Esboça um aceno e presto encolhe a mão. Por mais que afine o ouvido não escuta o bafejo da criança em sossego – e se ela deixou de respirar?
(...) Abre o livro e concentra-se na leitura: frases sem nenhum sentido.
Na casa silenciosa, apenas o voltear das folhas lá no quarto, às suas costas o peixinho estala o bico a modo de um velho que rumina a dentadura. Por vezes, cansado demais, cabeceia e o livro cai-lhe no joelho – enquanto não se apaga a luz do quarto ele não vai deitar.
(...)
Está salvo desde que ignore a porta do quarto da filha; ergue, com esforço, as pálpebras pesadas de sono e lê mais algumas linhas, evitando levar a mão ao rosto, onde um músculo dispara de repente a tremer no canto da boca. (...)
Ao extinguir-se enfim a outra luz, ele deixa passar alguns minutos e, arrastando os pés no tapete, recolhe-se ao quarto, acende a lâmpada do seu criado-mudo, com cautela infinita para não encarar a esposa que, voltada para o seu lado, pode estar com um olho aberto ou, quem sabe, até com um sorriso nos lábios. (...)
Será uma grande demora até que na rua clarinem* as primeiras buzinas – os galos da cidade. (...) Prepara-se para a noite em que há de entrar numa casa deserta e, ao abrir a porta, assobiará duas notas, uma breve, outra longa: todos os quartos vazios, o assobio é para a sua alma irmã, a baratinha no canto escuro.
(...)
Longe vai a manhã, mas resta-lhe o consolo de que, ao saltar do leito, esquecerá entre os lençóis o fantasma do seu terror noturno. Outra vez ergue-se no quarto o ressonar tranquilo da esposa; cuidadoso de não ranger o colchão, ele volta-se para o outro lado. Pouco importa se nunca mais chegar a dormir. Afinal você não pode ter tudo.

DALTON TREVISAN
A guerra conjugal. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1969.

* Clarinem - soem como clarim

Nos trechos transcritos a seguir, estão sublinhados dois verbos que podem ser usados com variação da regência: transitivo direto ou transitivo indireto. A variação da regência altera o sentido do verbo “agradar”: fazer agrados ou ser agradável. Já o verbo “olhar” expressa o mesmo sentido nos dois casos.

por mais que saltite ao seu lado, procurando alcançar-lhe a mão, ele não o agrada. (ref.1)
A mulher, sentada na cama, (...) olha para ele, mas ele não a olha. (ref. 2)

Identifique, no primeiro trecho, a regência do verbo “agradar” e o sentido em que ele foi empregado.
Em seguida, reescreva o segundo trecho, variando a regência do verbo “olhar” em cada ocorrência.


Resposta:

O verbo agradar pode ser intransitivo, transitivo indireto ou direto, com o sentido de causar boa impressão, satisfazer e fazer carinho, respectivamente. No trecho “ele não o agrada”, o verbo é transitivo direto, portanto com valor semântico de fazer agrados, acarinhar. No segundo trecho, a variação da regência do verbo “olhar” não altera o sentido do texto, pois a mulher, sentada na cama, olha-o, mas ele não olha para ela é sinônima da original.




TEXTO PARA AS PRÓXIMAS 2 QUESTÕES:
Gênesis

Quando ele nasceu foi no sufoco
Tinha uma vaca, um burro e um louco
Que recebeu Seu Sete

Quando ele nasceu foi de teimoso
Com a manha e a baba do tinhoso
Chovia canivete

Quando ele nasceu nasceu de birra
Barro ao invés de incenso e mirra
Cordão cortado com gilete

Quando ele nasceu sacaram o berro*
Meteram faca, ergueram ferro
Exu falou: ninguém se mete!

Quando ele nasceu tomaram cana
Um partideiro puxou samba
Oxum falou: esse promete!

ALDIR BLANC
In: FERRAZ, Eucanaã (org.). Veneno antimonotonia.
Rio de Janeiro: Objetiva, 2005.

* berro – revólver


2. (Uerj 2012)  Uma característica marcante do poema “Gênesis” é a simetria, que consiste na harmonia de certas combinações e proporções.
Aponte dois recursos diferentes utilizados no poema – um rítmico/sonoro e outro sintático – que contribuem para essa simetria.


Resposta:

O poema de Aldir Blanc, que se notabilizou como letrista a partir de suas parcerias com João Bosco, apresenta recursos rítmicos/sonoros e também sintáticos, típicos das manifestações orais da linguagem que acompanham a música. Assim, a disposição das rimas com esquema AAB/CCB/DDB/EEB//FFB, além do uso de versos de nove e oito sílabas que se alternam no primeiro e segundos versos de cada grupo, conferem ao poema o equilíbrio necessário para que música e letra se completem e resultem em algo agradável de ouvir. Também a repetição do verso “Quando ele nasceu”, que inicia o primeiro verso de cada estrofe, constitui recurso sintático importante para a simetria do poema.



  
3. (Uerj 2012)  Natal

Jesus nasceu! Na abóbada infinita
Soam cânticos vivos de alegria;
E toda a vida universal palpita
Dentro daquela pobre estrebaria...

Não houve sedas, nem cetins, nem rendas
No berço humilde em que nasceu Jesus...
Mas os pobres trouxeram oferendas
Para quem tinha de morrer na Cruz.

Sobre a palha, risonho, e iluminado
Pelo luar dos olhos de Maria,
Vede o Menino-Deus, que está cercado
Dos animais da pobre estrebaria.

Não nasceu entre pompas reluzentes;
Na humildade e na paz deste lugar,
Assim que abriu os olhos inocentes,
Foi para os pobres seu primeiro olhar.

No entanto, os reis da terra, pecadores,
Seguindo a estrela que ao presepe os guia,
Vêm cobrir de perfumes e de flores
O chão daquela pobre estrebaria.

Sobem hinos de amor ao céu profundo;
Homens, Jesus nasceu! Natal! Natal!
Sobre esta palha está quem salva o mundo,
Quem ama os fracos, quem perdoa o Mal!

Natal! Natal! Em toda Natureza
Há sorrisos e cantos, neste dia...
Salve, Deus da Humildade e da Pobreza,
Nascido numa pobre estrebaria!

OLAVO BILAC
In: BUENO, Alexei (org.). Olavo Bilac: obra reunida.
Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1996.

O poema “Natal” retrata o episódio que dá início à história do Cristianismo, reunindo os elementos que o caracterizam segundo a tradição católica. O poema “Gênesis” se refere ao mesmo episódio, mas o faz por meio de uma linguagem bem diversa e de forma menos explícita.
Considerando os dados contidos no poema de Olavo Bilac, transcreva os dois versos de “Gênesis” que fazem alusão ao nascimento de Jesus.
Compare, agora, os seguintes versos de “Natal” e “Gênesis”:

Há sorrisos e cantos, neste dia... (v.26)
Um partideiro puxou samba (v.14)

Explique a semelhança e a diferença dos conteúdos desses versos.


Resposta:

Os versos “Tinha uma vaca, um burro e um louco” e “Barro ao invés de incenso e mirra” do poema “Gênesis” estabelecem intertextualidade com o relato bíblico do nascimento de Jesus da tradição judaico-cristã. Assim como o poema “Natal” de Bilac, refere-se ao episódio com expressões de júbilo, embora com linguagem caracteristicamente popular e brasileira, contrastando com o tom convencional e genérico do de Olavo Bilac.




TEXTO PARA A PRÓXIMA QUESTÃO:
Previsões de especialistas

A mídia nos bombardeia diariamente com as previsões de especialistas sobre o futuro. Esses experts mais erram do que acertam, mas nem por isso deixamos de recorrer a eles sempre que o horizonte se anuvia. Como explicar o paradoxo?
Uma boa tentativa é o recém-lançado livro do escritor e jornalista Dan Gardner. As passagens mais divertidas do livro são sem dúvida aquelas em que o autor mostra, com exemplos e pesquisas científicas, quão precária é a previsão econômica e política.
Num célebre discurso de 1977, por exemplo, o então presidente dos E.U.A., Jimmy Carter, ancorado nos conselhos dos principais experts do planeta, conclamou os americanos a reduzir drasticamente a dependência de petróleo de sua economia, porque os preços do hidrocarboneto subiriam e jamais voltariam a cair, o que inevitavelmente destruiria o “American way”*. Oito anos depois, as cotações do óleo despencaram e permaneceram baixas pelas duas décadas seguintes.
Alguém pode alegar que Gardner escolhe de propósito alguns exercícios de futurologia que deram errado apenas para ridicularizar a categoria toda.
Para refutar essa objeção, vamos conferir algumas abordagens do problema.
Em 1984, uma revista britânica pediu a 16 pessoas que fizessem previsões sobre taxas de crescimento, câmbio, inflação e outros dados econômicos. Quatro dos entrevistados eram ex-ministros de finanças; quatro eram presidentes de empresas multinacionais; quatro, estudantes de economia de Oxford; e quatro, lixeiros de Londres. Uma década depois, as predições foram contrastadas com a realidade e classificadas pelos níveis de acerto. Os lixeiros terminaram empatados com os presidentes de corporações em primeiro lugar. Em último, ficaram os ministros – o que ajuda a explicar uma ou outra coisinha sobre governos.
A razão para tantas dificuldades em adivinhar o futuro é de ordem física. Nós nos habituamos a ver a ciência prevendo com enorme precisão fenômenos como eclipses e marés. Só que esses são sistemas lineares ou, pelo menos, sistemas em que dinâmicas impostas pelo caos podem ser desprezadas. E, embora um bom número de fenômenos naturais seja linear, existem muitos que não o são. Quando o homem faz parte da equação, pode-se esquecer a linearidade.
Nossos cérebros também trazem de fábrica alguns vieses que tornam nossa espécie presa fácil para adivinhos. Procuramos tão avidamente por padrões que os encontramos até mesmo onde não existem. Temos ainda compulsão por histórias, além de um desejo irrefreável de estar no controle. Assim, alguém que ofereça numa narrativa simples e envolvente a previsão do futuro pode vendê-la facilmente a incautos. Não é por outra razão que oráculos, profecias e augúrios estão presentes em quase todas as religiões.
Como diz Gardner, “vivemos na Idade da Informação, mas nossos cérebros são da Idade da Pedra”. Eles não foram concebidos para processar o papel do acaso, no cerne do conhecimento científico atual. Nós continuamos a tratar as falas dos especialistas como se fossem auspícios** divinos. Como não poderia deixar de ser, frequentemente quebramos a cara.

HÉLIO SCHWARTSMAN
Adaptado de www1.folha.uol.com.br, 30/06/2011

(*)“American way”: estilo americano de vida
(**)auspícios: prenúncios, presságios


4. (Uerj 2012)  O texto de Hélio Schwartsman distingue fenômenos que podem ser previstos com precisão de outros que não o podem.
Apresente um exemplo do texto para os fenômenos do primeiro tipo e outro para os fenômenos do segundo tipo.
Depois, aponte o que, para o autor, distingue os dois tipos de fenômeno.


Resposta:

O texto de Hélio Schwartsman distingue fenômenos que podem ser previstos com precisão (marés, eclipses, fenômenos naturais, sistemas lineares e outros em que dinâmicas impostas pelo caos podem ser desprezadas) de outros que não o podem (taxas de câmbio, preços do petróleo, de crescimento, quaisquer dados econômicos, fenômenos em que há a presença do homem). Segundo o autor, a diferenciação entre eles reside na linearidade ou não dos fenômenos, assim como a presença ou não do ser humano na produção dos fenômenos.




TEXTO PARA A PRÓXIMA QUESTÃO:
A CIDADE SITIADA
(1949)

O subúrbio de S. Geraldo, no ano de 192..., já misturava ao cheiro de estrebaria algum progresso. Quanto mais fábricas se abriam nos arredores, mais o subúrbio se erguia em vida própria sem que os habitantes pudessem dizer que transformação os atingia. Os movimentos já se haviam congestionado e não se poderia atravessar uma rua sem desviar-se de uma carroça que os cavalos vagarosos puxavam, enquanto um automóvel impaciente buzinava atrás lançando fumaça. Mesmo os crepúsculos eram agora enfumaçados e sanguinolentos. De manhã, entre os caminhões que pediam passagem para a nova usina, transportando madeira e ferro, as cestas de peixe se espalhavam pela calçada, vindas através da noite de centros maiores. Dos sobrados desciam mulheres despenteadas com panelas, os peixes eram pesados quase na mão, enquanto vendedores em manga de camisa gritavam os preços. E quando sobre o alegre movimento da manhã soprava o vento fresco e perturbador, dir-se-ia que a população inteira se preparava para um embarque.
Ao pôr-do-sol galos invisíveis ainda cocoricavam. E misturando-se ainda à poeira metálica das fábricas o cheiro das vacas nutria o entardecer. Mas de noite, com as ruas subitamente desertas, já se respirava o silêncio com desassossego, como numa cidade; e nos andares piscando de luz todos pareciam estar sentados. As noites cheiravam a estrume e eram frescas. Às vezes chovia.
(LISPECTOR, Clarice. A Cidade sitiada. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982.)



5. (Uerj 2005)  No texto, o crescimento de um subúrbio é representado como uma força que se impõe aos habitantes.

a) Transcreva duas orações que, apresentando como núcleo do sujeito um substantivo referente a um ser humano, confirmam essa perspectiva.
b) Explique a afinidade que há entre esse modo de representar o ambiente e um movimento literário surgido no Brasil no final do século XIX.


Resposta:

a) Algumas das orações são:
- os habitantes pudessem dizer
- desciam mulheres despenteadas
- a população inteira se preparava
- vendedores em manga de camisa gritavam

b) O texto privilegia a caracterização do ambiente físico e local, colocando tipos humanos como simples elementos integrantes do meio, à semelhança do naturalismo literário. 


Link para questões de outras disciplinas : http://araoalves.blogspot.com.br/search?q=uerj

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