sexta-feira, 26 de abril de 2013

Redação - UERJ - Questões discursivas com gabarito comentado








TEXTO PARA A PRÓXIMA QUESTÃO:
Previsões de especialistas

A mídia nos bombardeia diariamente com as previsões de especialistas sobre o futuro. Esses experts mais erram do que acertam, mas nem por isso deixamos de recorrer a eles sempre que o horizonte se anuvia. Como explicar o paradoxo?
Uma boa tentativa é o recém-lançado livro do escritor e jornalista Dan Gardner. As passagens mais divertidas do livro são sem dúvida aquelas em que o autor mostra, com exemplos e pesquisas científicas, quão precária é a previsão econômica e política.
Num célebre discurso de 1977, por exemplo, o então presidente dos E.U.A., Jimmy Carter, ancorado nos conselhos dos principais experts do planeta, conclamou os americanos a reduzir drasticamente a dependência de petróleo de sua economia, porque os preços do hidrocarboneto subiriam e jamais voltariam a cair, o que inevitavelmente destruiria o “American way”*. Oito anos depois, as cotações do óleo despencaram e permaneceram baixas pelas duas décadas seguintes.
Alguém pode alegar que Gardner escolhe de propósito alguns exercícios de futurologia que deram errado apenas para ridicularizar a categoria toda.
Para refutar essa objeção, vamos conferir algumas abordagens do problema.
Em 1984, uma revista britânica pediu a 16 pessoas que fizessem previsões sobre taxas de crescimento, câmbio, inflação e outros dados econômicos. Quatro dos entrevistados eram ex-ministros de finanças; quatro eram presidentes de empresas multinacionais; quatro, estudantes de economia de Oxford; e quatro, lixeiros de Londres. Uma década depois, as predições foram contrastadas com a realidade e classificadas pelos níveis de acerto. Os lixeiros terminaram empatados com os presidentes de corporações em primeiro lugar. Em último, ficaram os ministros – o que ajuda a explicar uma ou outra coisinha sobre governos.
A razão para tantas dificuldades em adivinhar o futuro é de ordem física. Nós nos habituamos a ver a ciência prevendo com enorme precisão fenômenos como eclipses e marés. Só que esses são sistemas lineares ou, pelo menos, sistemas em que dinâmicas impostas pelo caos podem ser desprezadas. E, embora um bom número de fenômenos naturais seja linear, existem muitos que não o são. Quando o homem faz parte da equação, pode-se esquecer a linearidade.
Nossos cérebros também trazem de fábrica alguns vieses que tornam nossa espécie presa fácil para adivinhos. Procuramos tão avidamente por padrões que os encontramos até mesmo onde não existem. Temos ainda compulsão por histórias, além de um desejo irrefreável de estar no controle. Assim, alguém que ofereça numa narrativa simples e envolvente a previsão do futuro pode vendê-la facilmente a incautos. Não é por outra razão que oráculos, profecias e augúrios estão presentes em quase todas as religiões.
Como diz Gardner, “vivemos na Idade da Informação, mas nossos cérebros são da Idade da Pedra”. Eles não foram concebidos para processar o papel do acaso, no cerne do conhecimento científico atual. Nós continuamos a tratar as falas dos especialistas como se fossem auspícios** divinos. Como não poderia deixar de ser, frequentemente quebramos a cara.

HÉLIO SCHWARTSMAN
Adaptado de www1.folha.uol.com.br, 30/06/2011

(*)“American way”: estilo americano de vida
(**)auspícios: prenúncios, presságios


1. (Uerj)  A fim de reforçar seu ponto de vista acerca do tema abordado, o autor emprega argumentos do tipo indutivo, ou seja, usa um fato ou dado particular para dele extrair conclusões gerais.
Identifique, no texto, dois exemplos de fatos ou dados particulares empregados para reforçar a ideia geral do texto.


Resposta:

O autor apoia-se em fatos ou dados particulares e específicos para chegar a conclusões mais gerais. A referência à previsão de Jimmy Carter, ao livro de Dan Gardner (analisando os problemas de toda previsão econômica e política) e à experiência da revista britânica (comparando previsões com acontecimentos realmente ocorridos) sustentam a conclusão de Hélio Schwartsman acerca de um comportamento usual das pessoas que se servem de previsões, apesar de estas falharem muitas vezes.




TEXTO PARA A PRÓXIMA QUESTÃO:
TEXTO I

Previsões de especialistas

A mídia nos bombardeia diariamente com as previsões de especialistas sobre o futuro. Esses experts mais erram do que acertam, mas nem por isso deixamos de recorrer a eles sempre que o horizonte se anuvia. Como explicar o paradoxo?
Uma boa tentativa é o recém-lançado livro do escritor e jornalista Dan Gardner. As passagens mais divertidas do livro são sem dúvida aquelas em que o autor mostra, com exemplos e pesquisas científicas, quão precária é a previsão econômica e política.
Num célebre discurso de 1977, por exemplo, o então presidente dos E.U.A., Jimmy Carter, ancorado nos conselhos dos principais experts do planeta, conclamou os americanos a reduzir drasticamente a dependência de petróleo de sua economia, porque os preços do hidrocarboneto subiriam e jamais voltariam a cair, o que inevitavelmente destruiria o “American way”*. Oito anos depois, as cotações do óleo despencaram e permaneceram baixas pelas duas décadas seguintes.
Alguém pode alegar que Gardner escolhe de propósito alguns exercícios de futurologia que deram errado apenas para ridicularizar a categoria toda.
Para refutar essa objeção, vamos conferir algumas abordagens do problema.
Em 1984, uma revista britânica pediu a 16 pessoas que fizessem previsões sobre taxas de crescimento, câmbio, inflação e outros dados econômicos. Quatro dos entrevistados eram ex-ministros de finanças; quatro eram presidentes de empresas multinacionais; quatro, estudantes de economia de Oxford; e quatro, lixeiros de Londres. Uma década depois, as predições foram contrastadas com a realidade e classificadas pelos níveis de acerto. Os lixeiros terminaram empatados com os presidentes de corporações em primeiro lugar. Em último, ficaram os ministros – o que ajuda a explicar uma ou outra coisinha sobre governos.
A razão para tantas dificuldades em adivinhar o futuro é de ordem física. Nós nos habituamos a ver a ciência prevendo com enorme precisão fenômenos como eclipses e marés. Só que esses são sistemas lineares ou, pelo menos, sistemas em que dinâmicas impostas pelo caos podem ser desprezadas. E, embora um bom número de fenômenos naturais seja linear, existem muitos que não o são. Quando o homem faz parte da equação, pode-se esquecer a linearidade.
Nossos cérebros também trazem de fábrica alguns vieses que tornam nossa espécie presa fácil para adivinhos. Procuramos tão avidamente por padrões que os encontramos até mesmo onde não existem. Temos ainda compulsão por histórias, além de um desejo irrefreável de estar no controle. Assim, alguém que ofereça numa narrativa simples e envolvente a previsão do futuro pode vendê-la facilmente a incautos. Não é por outra razão que oráculos, profecias e augúrios estão presentes em quase todas as religiões.
Como diz Gardner, “vivemos na Idade da Informação, mas nossos cérebros são da Idade da Pedra”. Eles não foram concebidos para processar o papel do acaso, no cerne do conhecimento científico atual. Nós continuamos a tratar as falas dos especialistas como se fossem auspícios** divinos. Como não poderia deixar de ser, frequentemente quebramos a cara.

HÉLIO SCHWARTSMAN
Adaptado de www1.folha.uol.com.br, 30/06/2011

(*)“American way”: estilo americano de vida
(**)auspícios: prenúncios, presságios

TEXTO II

Ode1 para o futuro

Falareis de nós como de um sonho.
Crepúsculo dourado. Frases calmas.
Gestos vagarosos. Música suave.
Pensamento arguto2. Sutis sorrisos.
Paisagens deslizando na distância.
Éramos livres. Falávamos, sabíamos,
e amávamos serena e docemente.

Uma angústia delida3, melancólica,
sobre ela sonhareis.

E as tempestades, as desordens, gritos,
violência, escárnio4, confusão odienta5,
primaveras morrendo ignoradas
nas encostas vizinhas, as prisões,
as mortes, o amor vendido,
as lágrimas e as lutas,
o desespero da vida que nos roubam
- apenas uma angústia melancólica,
sobre a qual sonhareis a idade de ouro.

E, em segredo, saudosos, enlevados6,
falareis de nós - de nós! - como de um sonho.

JORGE DE SENA
www.letras.ufrj.br

1 ode: tipo de poema
2 arguto: capaz de perceber as coisas mais sutis
3 delida: apagada
4 escárnio: desdém, menosprezo
5 odienta: que inspira aversão, ódio
6 enlevados: maravilhados, extasiados

TEXTO III






2. (Uerj)  REDAÇÃO

Os textos tratam da relação do homem com o futuro, tema que ganha foco específico no fragmento abaixo, extraído de uma entrevista com o historiador Eric Hobsbawn.

Há uma diferença entre esses movimentos de jovens educados nos países do Ocidente, onde, em geral, toda a juventude é fenômeno de minoria, e movimentos similares de jovens em países islâmicos e em outros lugares, nos quais a maioria da população tem entre 25 e 30 anos. Nestes países, portanto, muito mais do que na Europa, os movimentos de jovens são politicamente muito mais massivos e podem ter maior impacto político. O impacto adicional na radicalização dos movimentos de juventude acontece porque os jovens hoje, em período de crise econômica, são desproporcionalmente afetados pelo desemprego e, portanto, estão desproporcionalmente insatisfeitos. Mas não se pode adivinhar que rumos tomarão esses movimentos. Mas eles só, eles pelos seus próprios meios, não são capazes de definir o formato da política nacional e todo o futuro. De qualquer modo, devo dizer que está a fazer-me perguntas enquanto historiador, mas sobre o futuro. Infelizmente, os historiadores sabem tanto sobre o futuro quanto qualquer outra pessoa. Por isso, as minhas previsões não são fundadas em nenhuma especial vocação que eu tenha para prever o futuro.

ERIC HOBSBAWN
Adaptado de http://historica.me

PROPOSTA

A fala do historiador Eric Hobsbawn também apresenta uma reflexão sobre o futuro e suas possibilidades, relacionando o tema à ação da juventude, tradicionalmente considerada o futuro próximo das sociedades.
A partir da leitura dos textos e de suas elaborações pessoais sobre o tema, redija um texto argumentativo em prosa, com no mínimo 20 e no máximo 30 linhas, em que discuta a seguinte questão:

É possível, para a juventude de hoje, alterar o futuro?

Utilize o registro padrão da língua e atribua um título ao seu texto.


Resposta:

O tema da redação deveria analisar a capacidade participativa da juventude da sociedade contemporânea e responder à pergunta sobre a viabilidade de ela se tornar agente construtivo do futuro. Os textos da prova e a fala do historiador Eric Hobsbaw servem de apoio para a especulação do assunto e fornecem elementos para justificação da tese que deve orientar-se no sentido positivo ou negativo. Como sugestão, se a tese se inclinar no sentido positivo, a referência a movimentos rebeldes contra regimes autoritários como os desencadeados no Oriente Médio ou os que se verificam nos países do sul da Europa face às políticas de austeridade que semeiam o desemprego e a emigração compulsiva confirmariam a validade da tese que a juventude sempre foi e será um corpo social vanguardista. Em manifestações, ora organizadas através de associações políticas ou sindicais, ora desencadeadas espontaneamente através das redes sociais, os jovens de hoje mobilizam-se e decidem ser autores do seu próprio futuro. No sentido negativo, a falta de politização de muitos que viveram a sua adolescência no auge da execução do sistema econômico neoliberal, transformador de cidadãos em agentes consumistas, seria responsável pela apatia e desinteresse pelas causas coletivas que os afasta de ações coletivas visando ao futuro. A referência à geração canguru, jovens que seguem morando com os pais e não veem perspectivas de emancipação devido às dificuldades em encontrar emprego, evidencia o reduzido espaço social que dificulta o processo de crescimento e trava o impulso de conquista do seu próprio futuro. A conclusão deve ser coerente com a tese, parafraseando a opinião inicial ou resumindo os argumentos.



  
3. (Uerj)  Em entrevista dada ao Diário Digital, o escritor português José Saramago critica o meio de comunicação virtual conhecido como Twitter*.

Diário Digital: O senhor acompanha o fenômeno do Twitter? Acredita que a concisão de se expressar em 140 caracteres tem algum valor? Já pensou em abrir uma conta no site?
José Saramago: Nem sequer é para mim uma tentação de neófito. Os tais 140 caracteres refletem algo que já conhecíamos: a tendência para o monossílabo como forma de comunicação. De degrau em degrau, vamos descendo até o grunhido.

*Twitter (pronuncia-se “tuíter”): rede social virtual, criada em 2006 por Jack Dorsey, que permite aos usuários enviar e receber textos com o máximo de 140 caracteres, conhecidos como tweets.

http://oglobo.globo.com

A partir da leitura dos textos e de suas reflexões pessoais, redija um texto argumentativo em que desenvolva sua opinião acerca da ocorrência, ou não, de um empobrecimento das formas atuais de comunicação entre as pessoas.

Utilize o registro padrão da língua e atribua um título ao seu texto.


Resposta:

O tema exige uma reflexão sobre a ocorrência, ou não, de empobrecimento nas formas atuais de comunicação entre as pessoas. O mundo contemporâneo é fruto de mudanças aceleradas que tendem a acentuar-se nos tempos mais próximos e há opiniões contrastantes sobre os efeitos que isso pode produzir. Mudanças tecnológicas, como as introduzidas pela televisão e a informática, afetam maneiras de pensar e agir. Assim, a língua sofre interferências que alteram a sua relação com o poder, o prestígio, a estrutura e a hierarquia social até então estabelecidos. No entanto, convém ressaltar que as tecnologias são neutras, o seu uso, adequado ou não, é que interfere na articulação das formas de comunicação. Se nas atuais circunstâncias, a tecnologia e aceleração da rotina podem desencadear processos de empobrecimento da comunicação, também favorecem a propagação do conhecimento através da divulgação instantânea de fatos, opiniões ou textos de valor científico e aproximam espaços e realidades culturais que, de outra forma, seriam difíceis de atingir. Como conclusão, o resumo dos argumentos evidenciaria a tese de que a comunicação é um processo humano flexível, por isso deve admitir a diversidade e deve corresponder às necessidades e circunstâncias de quem a usa.



  
4. (Uerj)  TEXTO I

Do bom uso do relativismo

Hoje, pela multimídia, imagens e gentes do mundo inteiro nos entram pelos telhados, portas e janelas e convivem conosco. É o efeito das redes globalizadas de comunicação. A primeira reação é de perplexidade que pode provocar duas atitudes: ou de interesse para melhor conhecer, que implica abertura e diálogo, ou de distanciamento, que pressupõe fechar o espírito e excluir. De todas as formas, surge uma percepção incontornável: nosso modo de ser não é o único. Há gente que, sem deixar de ser gente, é diferente.
Quer dizer, nosso modo de ser, de habitar o mundo, de pensar, de valorar e de comer não é absoluto. Há mil outras formas diferentes de sermos humanos, desde a forma dos esquimós siberianos, passando pelos yanomamis do Brasil, até chegarmos aos sofisticados moradores de Alphavilles, onde se resguardam as elites opulentas e amedrontadas. O mesmo vale para as diferenças de cultura, de língua, de religião, de ética e de lazer.
Deste fato surge, de imediato, o relativismo em dois sentidos: primeiro, importa relativizar todos os modos de ser; nenhum deles é absoluto a ponto de invalidar os demais; impõe-se também a atitude de respeito e de acolhida da diferença porque, pelo simples fato de estar-aí, goza de direito de existir e de co-existir; segundo, o relativo quer expressar o fato de que todos estão de alguma forma relacionados. Eles não podem ser pensados independentemente uns dos outros, porque todos são portadores da mesma humanidade.
Devemos alargar a compreensão do humano para além de nossa concretização. Somos uma geo-sociedade una, múltipla e diferente.
Todas estas manifestações humanas são portadoras de valor e de verdade. Mas são um valor e uma verdade relativos, vale dizer, relacionados uns aos outros, autoimplicados, sendo que nenhum deles, tomado em si, é absoluto.
Então não há verdade absoluta? Vale o everything goes de alguns pós-modernos? Quer dizer, o “vale tudo”? Não é o vale tudo. Tudo vale na medida em que mantém relação com os outros, respeitando-os em sua diferença. Cada um é portador de verdade mas ninguém pode ter o monopólio dela. Todos, de alguma forma, participam da verdade. Mas podem crescer para uma verdade mais plena, na medida em que mais e mais se abrem uns aos outros.
Bem dizia o poeta espanhol António Machado: “Não a tua verdade. A verdade. Vem comigo buscá-la. A tua, guarde-a”. Se a buscarmos juntos, no diálogo e na cordialidade, então mais e mais desaparece a minha verdade para dar lugar à Verdade comungada por todos.
A ilusão do Ocidente é de imaginar que a única janela que dá acesso à verdade, à religião verdadeira, à autêntica cultura e ao saber crítico é o seu modo de ver e de viver. As demais janelas apenas mostram paisagens distorcidas. Ele se condena a um fundamentalismo visceral que o fez, outrora, organizar massacres ao impor a sua religião e, hoje, guerras para forçar a democracia no Iraque e no Afeganistão.
Devemos fazer o bom uso do relativismo, inspirados na culinária. Há uma só culinária, a que prepara os alimentos humanos. Mas ela se concretiza em muitas formas, as várias cozinhas: a mineira, a nordestina, a japonesa, a chinesa, a mexicana e outras. Ninguém pode dizer que só uma é a verdadeira e gostosa e as outras não. Todas são gostosas do seu jeito e todas mostram a extraordinária versatilidade da arte culinária.
Por que com a verdade deveria ser diferente?
LEONARDO BOFF
http://alainet.org

TEXTO II

Crônica da abolição

Eu pertenço a uma família de profetas “après coup”*, “post factum”, “depois do gato morto”, ou como melhor nome tenha em holandês. Por isso digo, juro se necessário for, que toda a história desta lei de 13 de maio estava por mim prevista, tanto que na segunda-feira, antes mesmo dos debates, tratei de alforriar um molecote que tinha, pessoa de seus dezoito anos, mais ou menos. Alforriá-lo era nada; entendi que, perdido por mil, perdido por mil e quinhentos, e dei um jantar.
Neste jantar, a que meus amigos deram o nome de banquete, em falta de outro melhor, reuni umas cinco pessoas, conquanto as notícias dissessem trinta e três (anos de Cristo), no intuito de lhe dar um aspecto simbólico.
No golpe do meio (“coupe do milieu”, mas eu prefiro falar a minha língua) levantei-me eu com a taça de champanha e declarei que, acompanhando as ideias pregadas por Cristo há dezoito séculos, restituía a liberdade ao meu escravo Pancrácio; que entendia que a nação inteira devia acompanhar as mesmas ideias e imitar o meu exemplo; finalmente, que a liberdade era um dom de Deus que os homens não podiam roubar sem pecado.
Pancrácio, que estava à espreita, entrou na sala, como um furacão, e veio abraçar-me os pés. Um dos meus amigos (creio que é ainda meu sobrinho) pegou de outra taça e pediu à ilustre assembleia que correspondesse ao ato que acabava de publicar brindando ao primeiro dos cariocas. Ouvi cabisbaixo: fiz outro discurso agradecendo, e entreguei a carta ao molecote. Todos os lenços comovidos apanharam as lágrimas de admiração. Caí na cadeira e não vi mais nada. De noite, recebi muitos cartões. Creio que estão pintando o meu retrato, e suponho que a óleo.
No dia seguinte, chamei o Pancrácio e disse-lhe com rara franqueza:
            — Tu és livre, podes ir para onde quiseres. Aqui tens casa amiga, já conhecida, e tens mais um ordenado, um ordenado que...
            — Oh! meu senhô! Fico.
                        — Um ordenado pequeno, mas que há de crescer. Tudo cresce neste mundo: tu cresceste imensamente.
Quando nasceste eras um pirralho deste tamanho; hoje estás mais alto que eu. Deixa ver; olha, és mais alto quatro dedos...
            — Artura não qué dizê nada, não, senhô...
            — Pequeno ordenado, repito, uns seis mil-réis: mas é de grão em grão que a galinha enche o seu papo. Tu vales muito mais que uma galinha.
            — Eu vaio um galo, sim, senhô.
            — Justamente. Pois seis mil-réis. No fim de um ano, se andares bem, conta com oito. Oito ou sete.
Pancrácio aceitou tudo: aceitou até um peteleco que lhe dei no dia seguinte, por me não escovar bem as botas; efeitos da liberdade. Mas eu expliquei-lhe que o peteleco, sendo um impulso natural, não podia anular o direito civil adquirido por um título que lhe dei. Ele continuava livre, eu de mau humor; eram dois estados naturais, quase divinos.
Tudo compreendeu o meu bom Pancrácio: daí para cá, tenho-lhe despedido alguns pontapés, um ou outro puxão de orelhas, e chamo-lhe besta quando lhe não chamo filho do diabo; cousas todas que ele recebe humildemente e (Deus me perdoe!) creio que até alegre. [...]
MACHADO DE ASSIS





PROPOSTA DE REDAÇÃO

A gravura acima, chamada “Relatividade”, é de autoria do artista holandês M. C. Escher. Ela combina, numa mesma imagem, várias maneiras de perceber o espaço. Na realidade, não se podem perceber ao mesmo tempo todas as possíveis visões de um acontecimento; é preciso, junto com o artista, fazer um esforço para imaginar outras perspectivas, ou as perspectivas dos outros.
Recorrendo aos textos e à imagem, demonstre, em uma dissertação de 20 a 30 linhas, a necessidade de que todos compreendam perspectivas diferentes das suas próprias para se conviver melhor.
Utilize o registro padrão da língua e estrutura argumentativa completa. Atribua um título ao seu texto.


Resposta:

A proposta de dissertação exige, em primeiro lugar, uma análise de dois textos: um de Leonard Boff com claro apelo à tolerância e outro de Machado de Assis que desmascara os verdadeiros interesses da classe senhorial no processo de abolição da escravatura no Brasil. Finalmente, uma gravura de Escher e correspondente texto explicativo conduzem para a elucidação do tema claramente filosófico: uma verdade é relativa, não ao homem nem ao sujeito cognoscente, mas ao sistema de referência, podendo também ser expressa com base em outros sistemas.

Segundo Boff, somos uma geo-sociedade una, múltipla e diferente onde a verdade não é absoluta. Pelo contrário, cada um é portador da verdade, mas ninguém pode ter o monopólio dela, exigindo-se assim uma atitude respeitosa e receptiva da  diferença. A analogia final com a diversidade culinária em todo o mundo ilustra o enriquecimento promovido por esta diversidade de perspectivas.

Machado de Assis põe em evidência as contradições do processo de alforria que consistiam em esforço desesperado de alguns proprietários de escravos para impedir a fuga e mantê-los a seu serviço com baixo custo. A esperança era que os escravos libertados pela iniciativa senhorial aceitassem ficar nas fazendas para trabalhar na colheita daquele ano, agradecidos aos proprietários por sua generosidade. Com a abolição da escravatura no Brasil, não se alterou profundamente a relação entre senhor e escravo, principalmente no emprego da violência, física e verbal.

Escher brinca com a representação tridimensional do espaço no plano bidimensional da folha de papel. No desenho, ele criava figuras impossíveis, representações distorcidas, paradoxos. Algumas de suas gravuras apresentam verdadeiras ilusões de óptica em relação à perspectiva, mostrando sua forma peculiar de representar a realidade de uma forma diferente do lugar-comum.




TEXTO PARA A PRÓXIMA QUESTÃO:
Do bom uso do relativismo

Hoje, pela multimídia, imagens e gentes do mundo inteiro nos entram pelos telhados, portas e janelas e convivem conosco. É o efeito das redes globalizadas de comunicação. A primeira reação é de perplexidade que pode provocar duas atitudes: ou de interesse para melhor conhecer, que implica abertura e diálogo, ou de distanciamento, que pressupõe fechar o espírito e excluir. De todas as formas, surge uma percepção incontornável: nosso modo de ser não é o único. Há gente que, sem deixar de ser gente, é diferente.
Quer dizer, nosso modo de ser, de habitar o mundo, de pensar, de valorar e de comer não é absoluto. Há mil outras formas diferentes de sermos humanos, desde a forma dos esquimós siberianos, passando pelos yanomamis do Brasil, até chegarmos aos sofisticados moradores de 1Alphavilles, onde se resguardam as elites opulentas e amedrontadas. O mesmo vale para as diferenças de cultura, de língua, de religião, de ética e de lazer.
Deste fato surge, de imediato, o relativismo em dois sentidos: primeiro, importa relativizar todos os modos de ser; nenhum deles é absoluto a ponto de invalidar os demais; impõe-se também a atitude de respeito e de acolhida da diferença porque, pelo simples fato de estar-aí, goza de direito de existir e de co-existir; segundo, o relativo quer expressar o fato de que todos estão de alguma forma relacionados. 3Eles não podem ser pensados independentemente uns dos outros, porque todos são portadores da mesma humanidade.
Devemos alargar a compreensão do humano para além de nossa concretização. Somos uma geo-sociedade una, múltipla e diferente.
Todas estas manifestações humanas são portadoras de valor e de verdade. Mas são um valor e uma verdade relativos, vale dizer, relacionados uns aos outros, autoimplicados, sendo que nenhum deles, tomado em si, é absoluto.
Então não há verdade absoluta? Vale o 2everything goes de alguns pós-modernos? Quer dizer, o “vale tudo”? Não é o vale tudo. Tudo vale na medida em que mantém relação com os outros, respeitando-os em sua diferença. Cada um é portador de verdade mas ninguém pode ter o monopólio dela. Todos, de alguma forma, participam da verdade. Mas podem crescer para uma verdade mais plena, na medida em que mais e mais se abrem uns aos outros.
Bem dizia o poeta espanhol António Machado: “Não a tua verdade. A verdade. Vem comigo buscá-la. A tua, guarde-a”. Se a buscarmos juntos, no diálogo e na cordialidade, então mais e mais desaparece a minha verdade para dar lugar à Verdade comungada por todos.
A ilusão do Ocidente é de imaginar que a única janela que dá acesso à verdade, à religião verdadeira, à autêntica cultura e ao saber crítico é o seu modo de ver e de viver. As demais janelas apenas mostram paisagens distorcidas. Ele se condena a um fundamentalismo visceral que o fez, outrora, organizar massacres ao impor a sua religião e, hoje, guerras para forçar a democracia no Iraque e no Afeganistão.
Devemos fazer o bom uso do relativismo, inspirados na culinária. Há uma só culinária, a que prepara os alimentos humanos. Mas ela se concretiza em muitas formas, as várias cozinhas: a mineira, a nordestina, a japonesa, a chinesa, a mexicana e outras. Ninguém pode dizer que só uma é a verdadeira e gostosa e as outras não. Todas são gostosas do seu jeito e todas mostram a extraordinária versatilidade da arte culinária.
Por que com a verdade deveria ser diferente?
LEONARDO BOFF

Vocabulário:
ref. 1: Alphavilles: condomínios de luxo
ref. 2: everything goes: literalmente, “todas as coisas vão”; equivale à expressão “vale tudo”


5. (Uerj)  O penúltimo parágrafo, que faz uma crítica ao Ocidente, cumpre uma função específica na argumentação do autor.
Explicite de que maneira esse parágrafo contribui para o desenvolvimento dessa argumentação.


Resposta:

O parágrafo reforça a ideia central da argumentação do autor por meio da exemplificação com elementos históricos.



  
6. (Uerj)  REDAÇÃO
Para elaborar sua redação, considere os textos que são apresentados a seguir com pontos de vista acerca da passagem do tempo.
Lembre-se de que o objetivo dos textos é oferecer a você subsídios para o desenvolvimento de suas ideias.

TEXTO 1

CANÇÃO DO AMOR PERFEITO
O tempo seca a beleza,
seca o amor, seca as palavras.
Deixa tudo solto, leve,
desunido para sempre
como as areias nas águas.

O tempo seca a saudade,
seca as lembranças e as lágrimas.
Deixa algum retrato, apenas,
vagando seco e vazio
como estas conchas das praias.

O tempo seca o desejo
e suas velhas batalhas.
Seca o frágil arabesco1,
vestígio do musgo humano,
na densa turfa2 mortuária.

Esperarei pelo tempo
com suas conquistas áridas.
Esperarei que te seque,
não na terra, Amor-Perfeito,
num tempo depois das almas.

1 arranjo
2 vagetação pobre
            (MEIRELES, C. "Antologia poética". Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001.)

TEXTO 2

Desde a idade de seis anos eu tinha mania de desenhar a forma dos objetos. Por volta dos cinquenta havia publicado uma infinidade de desenhos, mas tudo o que produzi antes dos sessenta não deve ser levado em conta. Aos setenta e três compreendi mais ou menos a estrutura da verdadeira natureza, as plantas, as árvores, os pássaros, os peixes e os insetos. Em consequência, aos oitenta terei feito ainda mais progresso. Aos noventa penetrarei no mistério das coisas; aos cem, terei decididamente chegado a um grau de maravilhamento - e quando eu tiver cento e dez anos, para mim, seja um ponto ou uma linha, tudo será vivo.
            Katsuhika Hokusai, sécs. XVIII-XIX
            (In: LUFT, Lya. "Perdas e ganhos". Rio de Janeiro: Record, 2004.)




Todos os textos abordam os desafios que se nos apresentam nas várias etapas da vida. Entre o nascimento e a morte, vivenciamos experiências diversas... Encontramos vantagens e dificuldades... Temos histórias diferentes para contar...

Redija um texto argumentativo em prosa, apresentando, com clareza, sua opinião sobre qual a melhor fase da vida e qual a mais difícil de ser vivida.

Para o cumprimento dessa tarefa, seu texto deve:
- ter no mínimo 20 e no máximo 30 linhas;
- ter estrutura argumentativa completa;
- ser redigido em língua culta padrão;
- apresentar elaboração própria.


Resposta:

Dissertação.



  
7. (Uerj)  SÓ NÃO PREVIU QUEM PLANEJOU

Ninguém fala em outra coisa: o Brasil do século XXI não sabe ler ou não entende o que mal lê. Todos estão pasmos. Menos os professores, posso afirmar. Eles, que nos últimos 30 anos de mudanças na área educacional lastimavelmente não foram chamados a dar o seu testemunho, nem lhes ouviram as dúvidas e as certezas. Quem está na frente de batalha, teria dito: isso não vai dar certo...
(...)
A moda do momento é a "inclusão" de alunos com necessidades especiais. Ótimo. Politicamente corretíssimo. Mas a verdadeira inclusão tem que começar pela melhora da qualidade do ensino de toda a população.
Temos que deter o processo atual, no qual o aluno termina o ensino fundamental - quando termina - quase tal qual estava quando entrou. Essa é a verdadeira exclusão: de posse do seu diploma, mas com precária aprendizagem, o jovem, especialmente o de classe social menos favorecida, que tanto precisa de trabalho, é ejetado do mercado de trabalho sem dó nem piedade. Afinal, até concurso para gari exige que se saiba ler e escrever direito!
Ouçamos quem executa. Eles nos dirão como evitar as tempestades do desencanto...
TANIA ZAGURY
("O Globo", 29/07/2003)

O texto utiliza, em sua estratégia argumentativa, recursos diferenciados de composição para tratar de um problema e sugerir possíveis soluções.
a) Explique de que maneira combinam-se, na coerência interna do texto, os parágrafos de abertura e de conclusão.
b) A polifonia é um recurso de construção pelo qual diferentes "vozes" ou pontos de vista podem ser depreendidos da leitura de um texto.
No texto, há momentos em que aparecem claramente outras "vozes" ou posicionamentos percebidos pelo leitor por meio de sinais de pontuação.
Retire do texto dois momentos em que ocorrem essas falas e aponte a quem elas podem ser atribuídas.


Resposta:

a) Os professores não foram ouvidos na definição de mudanças na área educacional nos últimos 30 anos - abertura.
     Na conclusão, a autora apresenta uma proposta vinculada à constatação acima. A proposta é que os professores possam opinar em futuras propostas.

b) - "Isso não vai dar certo" (fala dos professores).
     - "Inclusão" (fala atribuída a defensores de uma determinada política).



  
8. (Uerj)  Texto I

PROMOÇÃO X MITIFICAÇÃO DA LEITURA

Este é o quadro: crendo que a questão da leitura é um problema pessoal, de gosto e interesse, que pode ser resolvido através do estímulo e do proselitismo*, constrói-se um movimento em que, na tentativa de interferir no comportamento dos sujeitos, de modo a fazê-los leitores, se combinam sedução e persuasão intelectual, através da vinculação da leitura ora a um valor maior (leitura de ilustração; leitura redentora) ora a um apelo emocional (leitura hedonista; leitura de entretenimento), e da criação de estratégias e ambientes favorecedores de "práticas leitoras" (sensibilização, ambiência, atração, contação de história, dramatização, etc.).
A promoção da leitura, vista desde uma perspectiva não-ingênua, é um problema político e não apostólico. O leitor não é um sujeito desarraigado de sua condição de classe, que encontra na leitura uma forma de redenção individual. O que está em questão é o direito do cidadão de ter acesso (material e intelectual) à informação escrita e à cultura letrada e não um comportamento de avaliação subjetiva. Ninguém fica necessariamente bom porque lê, nem faz sentido apelos morais para que as pessoas leiam. (...)
Do mesmo modo que, no que diz respeito à saúde, cabe ao Estado garantir uma rede de atenção integral ao cidadão (hospitais, médicos, medicamentos) e garantir o investimento em pesquisa e produção, compete ao Estado garantir o direito à leitura, através da instalação de bibliotecas, salas de leitura e aparelhamento das escolas; da formação e remuneração apropriada aos profissionais ligados à leitura (bibliotecários, professores); e do estímulo à produção intelectual cultural e científica. (...)
Se queremos promover a leitura efetivamente, como bem público, como marca de cidadania, temos de abandonar visões ingênuas de leitura e investir no conhecimento objetivo das práticas de leitura e num movimento pelo direito de poder ler. O excluído de fato da leitura não é o sujeito que sabe ler e que não gosta de romance, mas o mesmo sujeito que, no Brasil de hoje, não tem terra, não tem emprego, não tem habitação.
A questão da leitura na sociedade contemporânea é uma questão político-social e não de gosto ou prazer!

(BRITTO, L. L. e BARZOTTO, V. H. "Em Dia: Leitura & Crítica". Campinas: Associação de Leitura do Brasil, agosto de 1998.)

* atividade ou esforço de converter ou persuadir alguém

Texto II



Criada com o propósito de publicar unicamente livros para crianças e jovens, desde o início nossa meta foi estabelecer uma linha editorial cujos títulos falassem de perto à emoção do leitor, despertassem o prazer da leitura e ajudassem a refletir.
Hoje temos orgulho de apresentar um catálogo totalmente dedicado à formação de pessoas melhores. Pessoas que possam crescer mais conscientes, mais capazes, mais felizes.
Nosso catálogo tem de tudo: ficção, humor, conto de fadas, ecologia, arte, ética, suspense, poesia, história.

(Adaptado de catálogo de divulgação da editora Salamandra, 1º. semestre de 2003.)

Os textos I e II, apresentam visões diferenciadas sobre a leitura.
Leia e analise a afirmativa a seguir:

NA TENTATIVA DE FORMAR UM PÚBLICO LEITOR NO BRASIL, DEVE-SE INCENTIVAR A LEITURA COMO FONTE DE PRAZER E EMOÇÃO.

Redija um texto argumentativo em que apresente com clareza sua opinião a respeito do tema contido na afirmativa.
Para o cumprimento desta tarefa, seu texto - de no mínimo 15 e no máximo 30 linhas - deve:
- possuir estrutura argumentativa;
- apresentar elaboração própria;
- estruturar-se de maneira completa e coerente;
- ser redigido em língua culta padrão.


Resposta:

Dissertação




TEXTO PARA A PRÓXIMA QUESTÃO:
TEXTO I

Antes de iniciar este livro, imaginei construí-lo pela divisão do trabalho.
Dirigi-me a alguns amigos, e quase todos consentiram de boa vontade em contribuir para o desenvolvimento das letras nacionais. Padre Silvestre ficaria com a parte moral e as citações latinas; João Nogueira aceitou a pontuação, a ortografia e a sintaxe; prometi ao Arquimedes a composição tipográfica; para a composição literária convidei Lúcio Gomes de Azevedo Gondim, redator e diretor do Cruzeiro. Eu traçaria o plano, introduziria na história rudimentos de agricultura e pecuária, faria as despesas e poria o meu nome na capa. (...)
Mas o otimismo levou água na fervura, compreendi que não nos entendíamos.
João Nogueira queria o romance em língua de Camões, com períodos formados de trás para diante. Calculem.
Padre Silvestre recebeu-me friamente. Depois da revolução de outubro, tornou-se uma fera, exige devassas rigorosas e castigos para os que não usaram lenços vermelhos. Torceu-me a cara. (...)
Afastei-o da combinação e concentrei as minhas eperanças em Lúcio Gomes de Azevedo Gondim, periodista de boa índole e que escreve o que lhe mandam.
Trabalhamos alguns dias. (...)
A princípio tudo correu bem, não houve entre nós nenhuma divergência. A conversa era longa, mas cada um prestava atenção às próprias palavras, sem ligar importância ao que o outro dizia. Eu por mim, entusiasmado com o assunto, esquecia constantemente a natureza de Gondim e chegava a considerá-lo uma espécie de folha de papel destinada a receber as ideias confusas que me fervilhavam na cabeça.
O resultado foi um desastre. Quinze dias depois do nosso primeiro encontro, o redator do Cruzeiro apresentou-me dois capítulos datilografados, tão cheios de besteiras que me zanguei:
-Vá para o inferno, Gondim. Você acanalhou o troço. Está pernóstico, está safado, está idiota. Há lá ninguém que fale dessa forma!
Azevedo Gondim apagou o sorriso, engoliu em seco, apanhou os cacos da sua pequenina vaidade e replicou amuado que um artista não pode escrever como fala.
-Não pode? perguntei com assombro. E por quê?
Azevedo Gondim respondeu que não pode porque não pode.
- Foi assim que sempre se fez. A literatura é a literatura, Seu Paulo. A gente discute, briga, trata de negócios naturalmente, mas arranjar palavras com tinta é outra coisa. Se eu fosse escrever como falo, ninguém me lia.
(RAMOS, Graciliano. São Bernardo. São Paulo: Martins, 1969.)

TEXTO II

LEITURA E ESCRITA COMO EXPERIÊNCIA - O AVESSO

Quando penso na leitura como experiência (na escola, na sala de aula ou fora delas), refiro-me a momentos em que fazemos comentários sobre livros ou revistas que lemos, trocando, negando, elogiando ou criticando, contando mesmo. Enfim, situações em que - tal como uma viagem, uma aventura - fale-se de livros e de histórias, contos, poemas ou personagens, compartilhando sentimentos e reflexões, plantando no ouvinte a coisa narrada, criando um solo comum de interlocutores, uma comunidade, uma coletividade. O que faz da leitura uma experiência é entrar nessa corrente em que a leitura é partilhada e, tanto quem lê, quanto quem propiciou a leitura ao escrever, aprendem, crescem, são desafiados.
Defendo a leitura da literatura, da poesia, de textos que têm dimensão artística, não por erudição. Não é o acúmulo de informação sobre clássicos, sobre gêneros ou sobre estilos, escolas ou correntes literárias que torna a leitura uma experiência, mas sim o modo de realização dessa leitura: se é capaz de engendrar uma reflexão para além do seu momento em que acontece; se é capaz de ajudar a compreender a história vivida antes e sistematizada ou contada nos livros.
(KRAMER, Sônia. In: ZACCUR, Edwiges (org.). A magia da linguagem. Rio de Janeiro: DP&A: SEPE, 1999.)



9. (Uerj)  Compare os textos I e II.
a) Embora, em ambos os textos, haja uma primeira pessoa que se manifesta, eles diferenciam-se claramente pelo fato de o primeiro ser narrativo e o segundo, argumentativo. Apresente um aspecto do texto I que se relacione à sua composição narrativa e um do texto II que demonstre seu teor argumentativo.
b) compreendi QUE não nos entendíamos. (texto I)
situações em QUE - tal como uma viagem, uma aventura - fale-se de livros e de histórias, (texto II)
O vocábulo QUE possui funções distintas na estruturação dos trechos acima. Explique essa diferenciação.


Resposta:

a) Texto I - dá importância aos fatos
     Texto II - dá importância à opinião do autor (tese)

b) Texto I: Que - conjunção integrante
     Texto II: Que - pronome relativo



  
10. (Uerj)                      INSTRUÇÕES

Nesta prova, você vai planejar e redigir um texto argumentativo, em duas etapas obrigatórias:

Etapa 1: preencher o esquema de "Planejamento do Texto", preparando a redação.
Etapa 2: escrever o texto argumentativo, respeitando o "Planejamento do Texto".
           
PROPOSTA DE REDAÇÃO

As privatizações brasileiras têm sido alvo de controvérsias, que discutem a seguinte afirmação-base:

"A privatização de empresas públicas brasileiras tem-se mostrado fundamental para o processo de modernização do país".

Sua tarefa é redigir um texto argumentativo, capaz de sustentar sua opinião acerca dessa afirmação-base, de modo a comprová-la ou invalidá-la, integral ou parcialmente. Para ter mais informações a respeito desse tema, você vai dispor de uma "Coletânea de Textos", apresentada a seguir.

            COLETÂNEA DE TEXTOS

TEXTO 1

O Brasil necessita de expansão de suas infraestruturas de telecomunicações, energia elétrica, distribuição de gás, de energia, transportes, mineração. Quem analisa o assunto de forma desapaixonada, serena e pragmática sabe que o setor público não tem condições de realizar a expansão que o país exige. Desde 1995, deixamos claro que era preciso retirar da Constituição as restrições que impediam a participação do setor privado - nacional ou estrangeiro - nessa expansão. As razões pelas quais a privatização é justificável também não são de natureza político-ideológica. [Elas] são três: [a razão da] eficiência - na média, uma empresa é gerida de forma mais eficiente sob controle privado do que sob o controle público; [a razão] fiscal - não há necessidade de aporte de capital do Tesouro para manter a empresa pública e competitiva, investindo em tecnologia; e [a razão] social - ao deixarmos, ao setor privado coisa que o setor privado é perfeitamente capaz de fazer, permitimos que recursos públicos e fiscais provenientes de impostos e endividamento público possam ser canalizados para onde importa, que é o investimento social: educação básica, saúde e segurança. E não na produção de aço, distribuição de energia elétrica e outras atividades que o setor privado faz melhor que o setor público.
           
(Adaptado da entrevista do Ministro Pedro Malan à Radiobrás, por ocasião dos 4 anos do Plano Real. ln: http://www.radiobras.gov.br/planoreal/1998/real4.htm)

TEXTO 2

O presidente Fernando Henrique Cardoso já definiu como prioridade do programa de privatização, em seu eventual segundo mandato, a venda das empresas de saneamento e esgoto. "A dúvida é a seguinte: deixa morrer criança ou pede para vir capital privado para ajudar a combater o esgoto a céu aberto?", afirmou FH em entrevista a uma emissora de rádio. O problema, segundo o presidente, é que os governos estaduais, que detêm o controle das empresas de saneamento nas principais capitais, estão sem recursos para investimentos, o que poderia ser resolvido com a entrada de capital privado. Um levantamento feito pela Secretaria de Políticas Urbanas do Ministério do Planejamento (Sepurb) conclui que, para que o governo pudesse estender a toda a população o atendimento de água e esgoto (inclusive tratamento), seriam necessários investimentos de R$ 42 bilhões em 15 anos.
           
(O DIA, 17/08/98)

TEXTO 3

O Governo privilegia as privatizações como suposto mecanismo de financiamento das contas internas e externas, deixando de lado tanto a melhoria dos serviços e a redução dos custos para o consumidor quanto o problema maior do emprego e da eficiência dos sistemas de serviços de utilidade pública. O total das privatizações no triênio [95/97] inclui US$ 7,8 bilhões relativos à desestatização de empresas abrangidas pelo Programa Nacional de Desestatização (PND), US$ 14,4 bilhões produzidos por privatizações estaduais e US$ 5 bilhões procedentes da concessão da Banda B de telefonia móvel. No entanto, estes resultados não produziram qualquer efeito positivo sobre a dívida pública (interna e externa), [pois que] em três anos foram gastos, em termos reais, R$ 95 bilhões [somente] com juros. A pretexto de aumentar a produtividade, mas na verdade para diminuir os custos correntes e ampliar a margem de lucro, as empresas privatizadas iniciaram a sua gestão com o corte, sem critério, do pessoal qualificado que cuidava da operação dos sistemas. Além do fato em si da geração de desemprego - paradoxalmente financiada por um banco público de desenvolvimento e, pelo menos em parte, por fundos destinados ao amparo dos trabalhadores - as demissões indiscriminadas, juntamente com a falta de uma transição adequada dos antigos padrões tecnológicos para os mais modernos, são apontadas (...) como algumas das causas principais da piora dos serviços prestados por estas empresas.
           
(TAVARES, Maria da Conceição. Extraído da homepage da Deputada. In: http://www.abordo.com.br/mctavares/)

TEXTO 4

A Comissão de Saúde da Câmara dos Deputados, presidida pelo recém-eleito deputado estadual Paulo Pinheiro (PPS), defende a municipalização dos hospitais que foram terceirizados e quer que o próximo governo [do Rio de Janeiro] faça uma auditoria para apurar as irregularidades que vêm acontecendo no Hospital Getúlio Vargas e em outras instituições. (... ) A Comissão de Saúde passou para a comissão de transição do Governo o relatório final da CPI da Câmara, que mostrou 17 irregularidades no processo de licitação. Entre elas estão as altas precoces, a situação predial de hospitais cujas obras não foram feitas (no Getúlio Vargas, por exemplo, só 40% do edifício estão em funcionamento) e a suspensão de serviços caros, como cirurgia vascular.
           
(Adaptado de O DIA, 09/11/98)

TEXTO 5

Se nem a fidelidade aos princípios jurídicos nem o crescimento da riqueza bastam para preservar a democracia e adaptá-la ao mundo moderno, é indispensável reconhecermos a necessidade de aditar a esses dois fatores um terceiro: a reforma social. (...) Só através dela alcançaremos uma forma de convivência política verdadeiramente isenta de opressão. (...) Mas nenhuma reforma (...) poderá ser implantada hoje em nosso País se não conseguirmos enfrentar o problema da desorganização crescente, que avassala nossas atividades econômicas e sociais. O que há de excepcionalmente grave no processo contínuo dessa desorganização é que, de um lado, ele está atingindo a empresa privada, inibindo o espírito empresarial e desencorajando o investimento particular, e, de outro lado, está comprometendo a empresa pública, tornando-a economicamente inviável e gerando contradições inaceitáveis entre as suas possibilidades de sucesso e as reivindicações de seu corpo de empregados. Um país, onde se desencoraja a empresa privada ao mesmo tempo em que se deteriora a empresa pública, nem se está preparando para uma expansão capitalista, nem para uma socialização, mas está simplesmente deixando-se ir ao impulso de uma corrente descendente, que pode ancorá-lo numa estagnação a longo prazo ou precipitá-lo na desordem social.
           
(DANTAS, Francisco C. de San Tiago. IDEIAS E RUMOS PARA A REVOLUÇÃO BRASILEIRA. Por ocasião do recebimento do título de Homem de Visão - 1963. ln: http: //www.sae.gov.br/cee/ideias.htm)

TEXTO 6


           
(JAGUAR. In: http: //www.uol/odia)


Resposta:

Dissertação. 

Links para questões de outras disciplinas:


Bons estudos!!