TEXTO PARA A
PRÓXIMA QUESTÃO:
Texto 1
A história dos povos está atravessada pela
viagem, como realidade ou metáfora. 1Todas as formas de sociedade,
compreendendo tribos e clãs, nações e nacionalidades, colônias e impérios,
trabalham e retrabalham a viagem, seja como modo de descobrir o “outro”, seja
como modo de descobrir o “eu”. É como se a viagem, o viajante e a sua narrativa
revelassem todo o tempo o que se sabe e o que não se sabe, o conhecido e o
desconhecido, o próximo e o remoto, o real e o virtual. A viagem pode ser breve
ou demorada, instantânea ou de longa duração, delimitada ou interminável,
passada, presente ou futura. Também pode ser peregrina, mercantil ou
conquistadora, tanto quanto turística, missionária ou aventurosa. Pode ser
filosófica, artística ou científica. Em geral, a viagem compreende várias
significações e conotações, simultâneas, complementares ou mesmo
contraditórias. São muitas as formas das viagens reais ou imaginárias,
demarcando momentos ou épocas mais ou menos notáveis da vida de indivíduos,
famílias, grupos, coletividades, povos, tribos, clãs, nações, nacionalidades,
culturas e civilizações. São muitos os que buscam o desconhecido, a experiência
insuspeitada, a surpresa da novidade, a tensão escondida nas outras formas de ser,
sentir, agir, realizar, lutar, pensar ou imaginar.
IANNI, Octavio.
A metáfora da viagem. In: IANNI, Octavio. Enigmas da Modernidade-Mundo. Rio
de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000. p. 13-14.
1.
(Pucrj 2013) Texto 2
Apesar de consideradas pela crítica, durante
muito tempo, uma manifestação menor da literatura, as narrativas de viagem
viveram momentos de glória no passado. Inúmeros escritores se dedicaram ao
gênero, e eram muitos os leitores aficionados pelos relatos de aventuras. Na
forma de diários, memórias ou simplesmente impressões de viagens, os textos
surgiam aos borbotões, nos séculos XVIII e XIX, ora inspirados pelo Velho, ora
pelo Novo Mundo, expressando sempre o olhar fascinado, a curiosidade e o desejo
do viajante de deixar registrada a sua experiência, que ele julgava ímpar.
Na Europa, os destinos mais buscados eram a
Alemanha, a Itália e a Espanha, fosse pela mitologia, pela glória passada ou
pela profusão de ruínas históricas. E não importava se a viagem durasse
semanas, meses ou anos; interessava relatá-la e assim se inscrever na tradição
do gênero. Dentre os mais ilustres viajantes, Goethe, Mme. de Stäel, Victor
Hugo, Michelet, Lamartine e Mérimée foram autores que incentivaram outros
escritores a também excursionar e a escrever sobre as novas terras.
A América foi igualmente pródiga em inspirar
viajantes - em sua maioria pintores, botânicos, naturalistas, arqueólogos ou
simples aventureiros -, ainda que a maioria não tivesse pretensões literárias e
quisesse apenas fazer anotações acerca da geografia, fauna e flora tropical das
novas terras.
Octavio Ianni, em A metáfora da viagem,
afirma que a história dos povos “está atravessada pela viagem”, não importa se
real (se ocorre o deslocamento geográfico, espacial e temporal), ou metafórica
(sem o deslocamento físico, mas apenas o sensível ou sensorial), pois toda
sociedade trabalha a viagem, “seja como modo de descobrir o ‘outro’, seja como
modo de descobrir o ‘eu’”. A viagem destina-se, portanto, a ultrapassar
fronteiras, a demarcar as diferenças e as semelhanças entre os povos.
E, se consideramos as condições em que os
deslocamentos eram realizados, as enormes distâncias, o desconforto de navios,
carros de bois e ferrovias, além dos perigos de toda natureza a que estavam
sujeitos, causa espanto encontrar tantas mulheres, dentre os viajantes, que
ousaram deixar a segurança de seus lares, suas famílias e enfrentar o
preconceito, as novas fronteiras, o desconhecido.
DUARTE,
Constância Lima; MUZZART, Zahidé Lupinacci. Pensar o outro ou quando as mulheres viajam.
Revista Estudos Feministas. vol.16 n.3. Florianópolis. Setembro/dezembro. 2008.
Apresentação. Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-026X2008000300018&script=sci_arttext>.
Acesso em: 12 ago. 2012.
a) A voz do pensador Octavio
Ianni, autor do texto 1, foi empregada no texto 2 com um propósito discursivo.
Explique a relação que se estabelece entre a citação de Ianni e o texto 2.
b) A diferença de sentido
entre as frases abaixo é decorrente da posição do adjunto adverbial “durante
muito tempo”. Justifique essa afirmativa, explicitando a diferença.
i. “Apesar de consideradas
pela crítica, durante muito tempo, uma manifestação menor da literatura, as
narrativas de viagem viveram momentos de glória no passado.”
ii. Apesar de consideradas pela
crítica uma manifestação menor da literatura, as narrativas de viagem, durante
muito tempo, viveram momentos de glória no passado.
Resposta:
a) A citação de Ianni apoia a
ideia da presença marcante das viagens na história das sociedades, como forma
de descobrir o outro e a si mesmo.
b) Em i, o adjunto
adverbial incide sobre o verbo considerar e, em ii, modifica o
verbo viver.
2.
(Unb 2012) Ajustou, na medida, umas
talas de cálamo exatas,
E, do dorso através e da pele, enfiou no
quelônio
E, conforme pensava, uma pele de boi esticou
E dois braços extremos dispôs, por travessa
ajuntados.
Sete cordas de tripa de ovelha estendeu
harmoniosas.
Ao depois de fazê-lo, tomou do amorável
brinquedo
E co’um plectro uma a uma provou cada corda,
aos seus dedos
Ressoava tremenda.
Homero. Hinos homéricos. Hino a Hermes, v.
44-53. Introdução e tradução de Jair Gramacho. Brasília: UnB, 2003.
Com referência ao texto acima e a
conhecimentos relativos à propagação de ondas sonoras, julgue o item a seguir.
No verso “Ao depois de fazê-lo, tomou do
amorável brinquedo” (v.6), o emprego do complemento iniciado por preposição
exemplifica recurso estilístico que não altera a transitividade da forma verbal
“tomou”.
Resposta:
Correto.
É correta a
afirmação, pois a preposição “de”, aglutinada ao artigo do objeto direto (“o
amorável brinquedo”), não altera a transitividade do verbo. Trata-se de um
objeto direto preposicionado, usado para fins estilísticos.
3.
(Unb 2012) Texto I
LXXIX
Entre este álamo, ó Lise, e essa corrente,
Que agora estão meus olhos contemplando,
Parece que hoje o céu me vem pintando
A mágoa triste, que meu peito sente.
Firmeza a nenhum deles se consente
Ao doce respirar do vento brando;
O tronco a cada instante meneando,
A fonte nunca firme, ou permanente.
Na líquida porção, na vegetante
Cópia daquelas ramas se figura
Outro rosto, outra imagem semelhante:
Quem não sabe que a tua formosura
Sempre móvel está, sempre inconstante,
Nunca fixa se viu, nunca segura?
Cláudio Manoel
da Costa. Apud Domício Proença Filho. A
poesia dos inconfidentes. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2002, p. 85.
Texto II
O espelho
O
espelho: atra
vés
de seu líquido nada
me des
dobro.
Ser quem me
olha
e olhar seus
olhos
nada de
nada
duplo
mistério.
Não amo
o espelho: temo-o.
Orides Fontela.
Poesia reunida (1969-1996). São
Paulo: Cosac Naify; Rio de Janeiro: 7letras, 2006, p. 212.
Considerando os textos acima apresentados, o
primeiro, um soneto árcade do Brasil Colônia, e o segundo, um poema da literatura
brasileira contemporânea, julgue os itens a seguir.
a) Na atmosfera bucólica do soneto LXXIX, submetida às convenções da
poesia pastoral, a natureza é apresentada como cenário estático e artificial,
no qual o eu lírico não encontra espaço para manifestar, de forma mais
profunda, as verdadeiras emoções humanas.
b) Na última estrofe do poema O espelho, nos versos “Não amo / o
espelho: temo-o”, o pronome átono exemplifica uma substituição pronominal
caracterizada, na gramática normativa, como objeto direto pleonástico.
c) No soneto LXXIX, há referências ao próprio ato de representação artística nas
seguintes imagens poéticas: “Parece que hoje o céu me vem pintando” (v.3) e “Na
líquida porção, na vegetante / Cópia daquelas ramas se figura” (v.9-10).
d) A adoção de formas clássicas europeias,
tanto na lírica de Cláudio Manoel da Costa quanto nos épicos Uraguai, de Basílio da Gama, e Caramuru, de Santa Rita Durão, impediu
que a realidade da Colônia fosse inserida na produção literária do Arcadismo
brasileiro.
e) A temática lírico-amorosa do soneto LXXIX evoca o mito de Narciso, como
evidenciam os versos em que o eu lírico mira sua imagem nas águas de uma fonte,
o que se realiza, no entanto, de maneira renovada, uma vez que, no reflexo
artístico produzido pelos versos, estão associados os conflitos do mundo
interno do eu lírico à instabilidade do mundo.
f) No poema O espelho, nos versos “Ser quem me / olha / e olhar seus / olhos”,
o possessivo “seus” tem como referente a estrutura predicativa “quem me /
olha”.
Resposta:
a) Incorreto.
b) Incorreto.
c) Correto.
d) Incorreto.
e) Correto.
f) Correto.
Não são corretas as
afirmações em [A], [B] e [D], pois:
Em [A], no 4º verso do
soneto, “a mágoa triste, que meu peito sente”, existe subjetividade e expressão
de emoções.
Em
[B], não existe objeto direto preposicionado nos dois últimos versos do poema,
pois seus objetos diretos pertencem a duas orações distintas, coordenadas entre
si. “O espelho” é objeto direto do verbo amar, e o pronome oblíquo átono “o” é
objeto direto do verbo temer,
Em
[D], os épicos Caramuru e O Uraguai desenvolvem temas da história colonial, introduzindo
descrições da paisagem tropical do Brasil do país e a figura do índio como
herói.
TEXTO PARA A
PRÓXIMA QUESTÃO:
TEXTO I
Eu
estava deitado num velho sofá amplo. 3Lá fora, a chuva caía com
redobrado rigor e ventava fortemente. A nossa casa frágil parecia que, de um
momento para outro, ia ser arrasada. 1Minha mãe ia e vinha de um
quarto próximo; removia baús, arcas; cosia, futicava. Eu devaneava e ia-lhe
vendo o perfil esquálido, o corpo magro, premido de trabalhos, as faces cavadas
com os malares salientes, tendo pela pele parda manchas escuras, como se fossem
de fumaça entranhada. 4De quando em quando, ela lançava-me os seus
olhos aveludados, redondos, passivamente bons, onde havia raias de temor ao
encarar-me. Supus que adivinhava os perigos que eu tinha de passar; sofrimentos
e dores que a educação e inteligência, qualidades a mais na minha frágil
consistência social, haviam de atrair fatalmente. 2Não sei que de
raro, excepcional e delicado, e ao mesmo tempo perigoso, ela via em mim, para
me deitar aqueles olhares de amor e espanto, de piedade e orgulho.
LIMA BARRETO. Recordações
do escrivão Isaías Caminha. Rio de Janeiro; Belo Horizonte: Livraria
Garnier, 1989. p.26-27.
TEXTO II
TEIA de aranha, galho seco da roseira,
quem sou?
Luz calçada em alpargatas de prata
rapta as flores da fronha,
quem sou?
Pássaro que mora na neblina
destila seu canto de água limpa
– longe, sozinho –
me diga quem sou.
ROQUETTE-PINTO, Claudia. Corola. São Paulo: Ateliê Editorial,
2000. p. 67.
4.
(Uff 2012) No texto I, vários recursos
gramaticais são usados para garantir a progressão, a coesão e a coerência.
Observe no texto o uso das expressões “Lá
fora” (ref. 3) e “De quando em quando” (ref. 4). Em seguida:
a) Identifique a função
sintática exercida por cada uma;
b) Explique a importância
dessas expressões para a progressão textual.
Resposta:
a) A expressão “lá fora” é adjunto adverbial
de lugar e “de quando em quando” é adjunto adverbial de tempo. Ou: ambas são
adjuntos adverbiais.
b) Essas expressões servem para mostrar o
progresso da narrativa no tempo e no espaço.
Ou: Tais expressões mostram a sucessão dos acontecimentos no espaço e no
tempo, garantindo a progressão da narrativa.
Ou: As expressões, ao localizar a ação no tempo e no espaço, contribuem
para a progressão textual, porque particularizam os lugares em que a ação se
desenrola (lá fora opondo-se ao aqui dentro do espaço da casa) e indicam a
passagem do tempo, que dinamiza a ação narrada.
Ou: Uma narrativa caracteriza-se por sucessões de acontecimentos e
transformações. No caso analisado, as expressões destacadas mostram o
desenrolar dos fatos no tempo e no espaço e, com isso, garantem a progressão da
narrativa.
TEXTO PARA A
PRÓXIMA QUESTÃO:
No texto a seguir, de João Guimarães Rosa, a
face, a imagem, está no âmbito da reflexão especular: real, virtual, simbólica.
O espelho
Se quer seguir-me, narro-lhe; não uma
aventura, mas experiência, a que me induziram, alternadamente, séries de
raciocínios e intuições. Tomou-me tempo. Surpreendo-me, porém, um tanto à parte
de todos, penetrando conhecimento que os outros ainda ignoram. O senhor, por
exemplo, que sabe e estuda, suponho nem tenha ideia do que seja, na verdade —
um espelho? Decerto, das noções de física, com que se familiarizou, as leis da
ótica. Reporto-me ao transcendente, todavia...
O espelho, são muitos, captando-lhe as
feições; 6todos refletem-lhe o rosto, e 5o senhor crê-se
com 4aspecto próprio e praticamente inalterado, 3do qual
lhe dão imagem fiel. Mas — que espelho? Há-os bons e maus, os que favorecem e
os que detraem; e os que são apenas honestos, pois não. E onde situar o nível e
ponto dessa honestidade ou fidedignidade?
1Como é que o senhor, eu, os
restantes próximos, somos, no visível? O senhor dirá: as 7fotografias
o comprovam. Respondo: que, além de prevalecerem para as 8lentes das
máquinas objeções análogas, seus resultados apoiam antes que desmentem a minha
tese, tanto revelam superporem-se aos dados iconográficos os índices do
misterioso. Ainda que tirados de imediato, um após outro, os retratos sempre
serão entre si muito diferentes. E as máscaras, moldadas nos rostos? Valem,
grosso modo, para o falquejo das formas, não para o explodir da expressão, o
dinamismo fisionômico. 12Não se esqueça, é de fenômenos sutis que
estamos tratando.
Resta-lhe argumento: qualquer pessoa pode, a
um tempo, ver o rosto de outra e sua reflexão no espelho. O experimento, por
sinal ainda não realizado com rigor, careceria de valor científico, em vista
das irredutíveis deformações, de ordem psicológica. Além de que a
simultaneidade torna-se impossível, no fluir de valores instantâneos. Ah, o
tempo é o mágico de todas as traições... E os próprios 9olhos, de
cada um de nós, padecem viciação de origem, defeitos com que cresceram e a que
se afizeram, mais e mais. Os 10olhos, por enquanto, são a porta do
engano; duvide deles, dos seus, não de mim. Ah, meu amigo, a espécie humana
peleja para impor ao latejante mundo um pouco de rotina e lógica, mas algo ou
alguém de tudo faz brecha para rir-se da gente...
Vejo que começa a descontar um pouco de sua
inicial desconfiança quanto ao meu são juízo. Fiquemos, porém, no terra a
terra. Rimo-nos, nas barracas de diversões, daqueles caricatos espelhos, que
nos reduzem a mostrengos, esticados ou globosos. Mas, se só usamos os planos,
deve-se a que primeiro a humanidade mirou-se 2nas 11superfícies
de água quieta, lagoas, fontes, delas aprendendo a fazer tais utensílios de
metal ou cristal. Tirésias, contudo, já havia predito ao belo Narciso que ele
viveria apenas enquanto a si mesmo não se visse...
Sim, são para se ter medo, os espelhos...
João Guimarães
Rosa. O espelho. In: Primeiras estórias. Ficção completa. Rio
de Janeiro: Nova Aguilar, 1994, v. 2, p. 437-55 (com adaptações).
5.
(Unb 2012) Com referência ao texto O espelho, e a questões por ele
suscitadas, julgue os itens a seguir.
a) No fragmento de texto apresentado,
extraído de um conto de Guimarães Rosa, o estilo de composição diverge
esteticamente do verificado na obra-prima do autor, Grande Sertão: Veredas, caracterizada pelo regionalismo pitoresco e
folclórico, avesso a reflexões filosóficas, transcendentes ou existenciais.
b) Na estrutura “do qual lhe dão imagem
fiel” (ref. 3), a expressão “imagem fiel”, em termos semânticos, é a informação
nova do período, tendo em vista que os elementos “do qual”, “lhe” e “dão”
retomam, respectivamente, referência em constituintes sintáticos anteriores, a saber:
“aspecto próprio e praticamente inalterado” (ref. 4); “o senhor” (ref. 5); e
“todos” (ref. 6), sujeito da oração.
c) Levando em consideração o texto em seu
nível semântico e, ainda, o que o narrador postula acerca da reflexão de
imagens em espelho plano, os vocábulos “fotografias” (ref. 7), “lentes” (ref.
8), “olhos” (ref. 9 e 10), bem como a expressão “superfícies de água quieta”
(ref. 11) e os correlatos, formariam um conjunto lexical e semântico cujo traço
unificador evidenciaria, na ótica do narrador, uma simplificação da realidade
operada pela visão e pelo cérebro.
d) As estruturas “Não se esqueça, é de
fenômenos sutis que estamos tratando” (ref. 12) e Não se esqueça, estamos tratando de fenômenos sutis são análogas no
que se refere aos constituintes sintáticos, mas se distinguem quanto a efeitos
discursivos: a primeira, mas não a segunda, evidencia efeitos obtidos pela
focalização de complemento verbal.
Resposta:
a) Incorreto.
b) Correto.
c) Correto.
d) Correto.
Todos os itens apresentam
afirmações corretas, exceto [A]. As narrativas de Guimarães Rosa transformam o
enredo numa espécie de labirinto, cuja travessia pode ser interpretada como uma
metáfora da vida e da própria existência.
TEXTO PARA A
PRÓXIMA QUESTÃO:
Muita gente considera o catch um esporte ignóbil. O catch
não é um esporte, é um espetáculo, e é tão ignóbil assistir a uma representação
da dor, no catch, como ao sofrimento
de Arnolfo ou de Andrômaca.
Existe, no entanto, um falso catch, pomposo,
com a aparência inútil de um esporte regular; mas esse não tem qualquer
interesse. O verdadeiro — impropriamente chamado catch amador — realiza-se em
salas de segunda classe, onde o público adere espontaneamente à natureza
espetacular do combate, como o público de um cinema de bairro. Ao público pouco
importa que o combate seja falseado ou não; o futuro racional do combate não
lhe interessa: o catch é uma soma de
espetáculos, 1sem que um só seja uma função: cada momento impõe o
conhecimento total de uma paixão que surge, sem jamais se estender em direção a
um resultado que a coroe.
Assim, a função do lutador não é ganhar, mas
executar exatamente 2os gestos que se esperam dele. O catch propõe gestos excessivos,
explorados até o paroxismo da sua significação. Esta função de ênfase é a mesma
do teatro antigo, cuja força — língua — e cujos acessórios — máscaras e
coturnos — concorriam para fornecer a explicação exageradamente visível de uma
necessidade. O gesto de um lutador vencido, significando uma derrota que não se
oculta, mas se acentua, corresponde à máscara antiga, encarregada de significar
o tom trágico do espetáculo. O lutador prolonga exageradamente a sua posição de
derrota, caído, impondo ao público o espetáculo intolerável da sua impotência.
No catch, como nos teatros antigos, não
se tem vergonha da dor, sabe-se chorar, saboreiam-se as lágrimas.
Roland Barthes.
Mitologias. Rio de Janeiro: DIFEL,
2010, p. 15-26 (com adaptações).
6.
(Unb 2012) Considerando o texto acima
e aspectos a ele relacionados, julgue os itens a seguir.
a) Na oração concessiva “sem que um só seja
uma função” (ref. 1), há elipse do núcleo nominal do sujeito da oração.
b) Seriam mantidas a correção gramatical e a
interpretação original do texto, se o trecho “os gestos que se esperam dele”
(ref. 2) fosse reescrito como os gestos
lhe são esperados.
c) Os dois primeiros períodos do texto
continuariam corretos e coerentes com o texto se fossem parafraseados do
seguinte modo: Embora seja considerado um esporte ignóbil, o catch é um espetáculo tanto quanto outros
em que há representação da dor, o que invalida característica que muitos lhe
atribuem.
Resposta:
a) Correto.
b) Incorreto.
c) Correto.
Apenas é incorreto o que se afirma em [B], pois a
transformação da oração na voz ativa (“que se esperam dele”) em outra de
sentido equivalente na voz passiva só seria adequada se se inserisse o pronome
relativo “que” com função de sujeito: que
dele são esperados.
TEXTO PARA A
PRÓXIMA QUESTÃO:
TEXTO 1:
No começo de seu Mercury;
Ou: O Mensageiro Secreto e Rápido (1641), John Wilkins conta
a seguinte história:
O quanto 1essa
Arte de escrever pareceu estranha quando da sua Invenção primeira é algo que
podemos imaginar pelos Americanos recém-descobertos, que ficaram espantados ao
ver Homens conversarem com Livros, e não conseguiam acreditar que um Papel
pudesse falar...
Há um relato excelente a
esse Propósito, referente a um Escravo Índio; que, ao ser mandado por seu
Senhor com uma Cesta de Figos e uma Carta, comeu durante o Percurso uma grande
Parte de seu Carregamento, entregando o Restante à Pessoa a quem se destinava;
que, ao ler a Carta e não encontrando a Quantidade de Figos correspondente ao
que se tinha dito, acusa o Escravo de comê-los, dizendo que a Carta afirmava
aquilo contra ele. Mas o Índio (apesar dessa Prova) negou o Fato, acusando o
Papel de ser uma Testemunha falsa e mentirosa.
Depois disso, sendo mandado
de novo com um Carregamento semelhante e uma Carta expressando o Número exato
de Figos que deviam ser entregues, ele, mais uma vez, de acordo com sua Prática
anterior, devorou uma grande Parte deles durante o Percurso; mas, antes de
comer o primeiro (para evitar as Acusações que se seguiriam), pegou a Carta e a
escondeu sob uma grande Pedra, assegurando-se de que, se ela não o visse comer
os Figos, nunca poderia acusá-lo; mas, sendo agora acusado com muito mais rigor
do que antes, confessou a Falta, admirando a Divindade do Papel e, para o
futuro, promete realmente toda a sua Fidelidade em cada Tarefa.
Poder-se-ia dizer que um
texto, depois de separado de seu autor (assim como da intenção do autor) e das
circunstâncias concretas de sua criação (e, consequentemente de seu referente
intencionado), flutua (por assim dizer) no vácuo de um leque potencialmente
infinito de interpretações possíveis. Wilkins poderia ter objetado que, no seu
relato, o senhor tinha certeza de que a cesta mencionada na carta era a mesma
levada pelo escravo, que o escravo que a levara era exatamente o mesmo a quem
seu amigo dera a cesta, e que havia uma relação entre a expressão “30” escrita
na carta e o número de figos contidos na cesta. Naturalmente, bastaria imaginar
que, ao longo do caminho, o escravo original fora assassinado e outra pessoa o
substituíra, que os trinta figos originais tinham sido substituídos por outros
figos, que a cesta foi levada a um destinatário diferente, que o novo
destinatário não sabia de nenhum amigo ansioso por lhe mandar figos. Mesmo
assim seria possível concluir o que a carta estava dizendo? Entretanto, temos o
direito de supor que a reação do novo destinatário seria algo do tipo: “Alguém,
e Deus sabe quem, mandou-me uma quantidade de figos menor do que o número
mencionado na carta que os acompanha.” Vamos supor agora que não apenas o
mensageiro tivesse sido morto, como também que seus assassinos tivessem comido
todos os figos, destruído a cesta, colocado a carta numa garrafa e a tivessem
jogado no oceano, de modo que fosse encontrada setenta anos depois por Robinson
Crusoé. Não havia cesta, nem escravo, nem figos, só uma carta. Apesar disso,
aposto que a primeira reação de Robinson Crusoé teria sido: “Onde estão os
figos?”
[Adaptado de
ECO, Umberto. Interpretação e superinterpretação.
São Paulo: Martins Fontes,
2001, p. 47-49]
7. (Pucrj 2010) a)
O pronome
demonstrativo essa, logo no início da passagem de John Wilkins (ref. 1),
tem função anafórica, isto é, faz referência a um conteúdo textual
anterior. A que conteúdo anterior podemos inferir que o pronome se refere nesse
caso?
b) Na passagem de Wilkins,
escrita em 1641, adota-se uma convenção ortográfica distinta da nossa no que
diz respeito ao uso de letras maiúsculas. Explicite a diferença.
c) O verbo ser tem o
mesmo comportamento sintático em todas as frases abaixo, exceto em uma delas.
Indique-a e explique a diferença.
(I) Talvez a carta fosse encontrada
setenta anos depois por Robinson Crusoé.
(II) A carta expressava o número
exato de Figos que deviam ser entregues.
(III) Vamos supor que o mensageiro
tivesse sido morto.
(IV) O escravo afirmou que o papel era
uma testemunha falsa e mentirosa.
(V) O escravo foi
mandado àquele destino com uma Cesta de Figos e uma carta.
Resposta:
a) Pode-se inferir que o
pronome essa retoma anaforicamente um conteúdo textual anterior
referente ao advento da língua escrita.
b) No texto de Wilkins,
iniciam-se com letras maiúsculas os substantivos comuns, ao passo que, em nossa
convenção ortográfica, aplica-se a inicial maiúscula apenas aos substantivos
próprios, salvo em casos excepcionais.
c) Em todos os casos, exceto
em (IV), ser funciona como verbo auxiliar em construções na voz passiva.
No caso (IV), ser funciona como verbo de ligação em um predicado nominal
que tem como núcleo uma testemunha falsa e mentirosa.
8. (Puc-rio 2008) TEXTO I
ESQUECER ALGUMAS COISAS FACILITA
LEMBRAR OUTRAS
Esquecer uma informação menos
importante, mediante um processo de memória seletiva, torna mais fácil lembrar
um dado mais relevante, segundo um estudo elaborado por cientistas dos Estados
Unidos. Para chegar a esta conclusão, que a revista científica britânica "Nature
Neuroscience" traz em sua última edição, os especialistas fizeram
ressonâncias magnéticas em indivíduos enquanto estes tentavam lembrar
associações de palavras que tinham aprendido anteriormente.
Durante os exames, os cientistas
analisaram o comportamento do córtex pré-frontal, a parte do cérebro que
participa do processo de recuperação das informações armazenadas na memória.
Como se fosse uma competição em que uma informação vence quando outra é
descartada, quanto maior o número de coisas que os pesquisados esqueciam, menos
ativo o córtex pré-frontal se mostrava, isto é, menos recursos o cérebro
precisava usar para recuperar uma informação. Portanto, para os indivíduos que
participaram da experiência, foi muito mais simples lembrar uma associação de
palavras ao esquecer outras.
Adaptado de texto disponível em:
Yahoo Notícias, <http://br.noticias.yahoo.com>, 03 de junho de 2007.
TEXTO
II
ESQUECIMENTO DE IMPRESSÕES E
CONHECIMENTOS
Também nas pessoas saudáveis, não
neuróticas, encontramos sinais abundantes de que uma resistência se opõe à
lembrança de impressões penosas, à representação de pensamentos aflitivos.
[...]
O ponto de vista aqui desenvolvido - de que as
lembranças aflitivas sucumbem com especial facilidade ao esquecimento motivado
- merece ser aplicado em muitos campos que até hoje lhe concederam muito pouca
ou nenhuma atenção. 1Assim, parece-me que ele ainda não foi
enfatizado com força suficiente na avaliação dos testemunhos prestados nos
tribunais, onde é patente que se considera o juramento da testemunha capaz de
exercer uma influência exageradamente purificadora sobre o jogo de suas forças
psíquicas. É universalmente reconhecido que, no tocante à origem das tradições
e da história legendária de um povo, é preciso levar em conta esse tipo de
motivo, cuja meta é apagar da memória tudo o que seja penoso para o sentimento
nacional.
FREUD, Sigmund. Fragmento de
"Sobre a psicopatologia da vida cotidiana". Edição
"standard" brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund
Freud, vol. VI, Tradução dirigida por Jayme Salomão, Rio de Janeiro: Imago,
1996, p. 152-153.
a)
Os Textos 1 e 2 tematizam o esquecimento, associando sua ocorrência a fatores
distintos. Diga quais são esses fatores e compare-os quanto à sua natureza.
b)
No experimento descrito no Texto 1, que relação foi observada entre a menor
atividade do córtex pré-frontal e o desempenho dos participantes na tarefa
proposta?
c)
Leia o período a seguir, extraído do Texto 2 (ref. 1), e retire o termo
oracional que exerce a mesma função sintática de "muito divertida" em
"O menino achou muito divertida a comédia."
"Assim, parece-me que ele ainda
não foi enfatizado com força suficiente na avaliação dos testemunhos prestados
nos tribunais, onde é patente que se considera o juramento da testemunha capaz
de exercer uma influência exageradamente purificadora sobre o jogo de suas
forças psíquicas."
Resposta:
a)
O Texto 1 associa o esquecimento a fatores de natureza neurofisiológica
(patologia). O Texto 2 associa o esquecimento a fatores de ordem psicológica,
ou seja, com a necessidade de evitar lembranças desagradáveis.
b)
A menor atividade foi relacionada a um melhor desempenho dos pesquisados na
tarefa experimental que envolveu associações de palavras.
c)
O termo oracional que exerce a mesma função sintática da expressão destacada é:
"capaz de exercer uma influência exageradamente purificadora sobre o jogo
de suas forças psíquicas" (predicativo).
9. (Fuvest 2008) Jornalistas não deveriam fazer previsões, mas as fazem o tempo todo. Raramente
se dão ao trabalho de prestar contas quando erram. Quando o fazem não é decerto
com a ênfase e o destaque conferidos às poucas previsões que acertam.
Marcelo Leite, "Folha de
S.Paulo".
a)
Reescreva o trecho "Jornalistas não deveriam fazer previsões, mas as fazem
o tempo todo", iniciando-o com "Embora os jornalistas..."
b)
No trecho "Quando O fazem não é decerto com a ênfase (...)", a que ideia
se refere o termo destacado?
Resposta:
a)
"Embora os jornalistas não devessem fazer previsões, fazem-nas o tempo
todo".
b)
O pronome oblíquo "o" representa a ideia de: "prestar contas
quando erram".
10. (Ufc 2008) Leia o texto a seguir e preencha os parênteses com V ou F, conforme seja
verdadeiro ou falso o que se afirma sobre ele.
Asclepíades ainda achou muito que
contar sobre a enfermidade; no seu excessivo interesse traía-se a satisfação de
um quase triunfo, e toda a sua atenção estava posta na filha, 1CUJOS
sentimentos procurava surpreender, através de seu semblante inexpressivo, de
seu olhar parado e vago, das palavras triviais 2QUE soltava sem 3UMA
REFERÊNCIA DIRETA AO BACHAREL. Como aquela criaturinha 4QUE lhe
nascera nos braços, 5QUE lhe crescera no colo, 6DIA A
DIA, sempre 7SUBMISSA À SUA VONTADE, sempre solícita em 8OBEDECER-LHE,
pudera tornar-se assim 9IMPENETRÁVEL à sua perspicácia de pai, assim
10ABROQUELADA e autônoma em 11SUA vida afetiva, velada
por uma discrição calma mas obstinada, inatingível, 12REFRATÁRIA À
AÇÃO da sua autoridade!.
(SALES, Antônio. Aves de Arribação.
Fortaleza: Edições UFC, 2006, 137. )
( ) O pronome relativo CUJOS (ref. 1)
estabelece relação de posse entre o termo antecedente [filha] e o subsequente
[sentimentos].
( ) O pronome relativo que (ref. 2) exerce
função sintática de objeto direto do verbo soltar em que soltava.
( ) A substituição de bacharel por Alípio em
UMA REFERÊNCIA AO BACHAREL (ref. 3) gramaticalmente faculta a anteposição do
artigo definido masculino.
( ) Atuam como adjuntos adnominais: LHE, em
lhe nascera (ref. 5) e LHE em lhe crescera.
( ) Em linguagem culta formal, recomenda-se
empregar obedece-lo ao invés de OBEDECER-LHE (ref. 8), sendo esta última
considerada um arcaísmo.
( ) A expressão DIA A DIA (ref. 6) equivale
semanticamente à composta dia; o uso do hífen é uma questão estilística.
( ) O uso do acento grave em SUBMISSA À SUA
VONTADE (ref. 7) é obrigatório, pois submissa exige complemento nominal
introduzido por preposição.
( ) O uso do acento grave em REFRATÁRIA À
AÇÃO (ref. 12) manter-se-ia mesmo que a expressão fosse empregada no plural:
REFRATÁRIAS ÀS AÇÕES.
( ) Tanto em IMPENETRÁVEL (ref. 9) quanto em
ABROQUELADA (ref. 10) há correspondência biunívoca letra - fonema.
( ) Remetem a um mesmo referente textual sua
em SUA perspicácia e SUA em sua vida afetiva (ref. 11).
Resposta:
(V)
- (V) - (V)- (V) - (F) - (F) - (F) - (V) - (F) - (F).
TEXTO PARA A
PRÓXIMA QUESTÃO:
Texto 1
O material do poeta é a vida, e só a
vida, com tudo o que ela tem de sórdido e sublime. Seu instrumento é a palavra.
Sua função é a de ser expressão verbal rítmica ao mundo informe de sensações,
sentimentos e pressentimentos dos outros com relação a tudo o que existe ou é
passível de existência no mundo mágico da imaginação. Seu único dever é fazê-lo
da maneira mais bela, simples e comunicativa possível, do contrário ele não
será nunca um bom poeta, mas um mero lucubrador* de versos.
(Vinícius de Moraes, Para Viver um Grande Amor, p. 101-102.)
*
aquele que compõe com esforço à custa de muita meditação.
Texto 2
Não
faças versos sobre acontecimentos.
Não
há criação nem morte perante a poesia.
Diante
dela, a vida é um sol estático,
não
aquece nem ilumina.
As
afinidades, os aniversários, os incidentes pessoais não contam.
Nem
me reveles teus sentimentos,
que
se prevalecem do equívoco e tentam a longa viagem.
O
que pensas e sentes, isso ainda não é poesia.
Não
recomponhas
tua
sepultada e merencória infância.
Não
osciles entre o espelho e a
memória
em dissipação.
Que
se dissipou, não era poesia.
Que
se partiu, cristal não era.
Penetra
surdamente no reino das palavras.
Lá
estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão
paralisados, mas não há desespero,
há
calma e frescura na superfície intata.
Chega
mais perto e contempla as palavras.
Cada
uma
tem
mil faces secretas sob a face neutra
e
te pergunta, sem interesse pela resposta,
pobre
ou terrível, que lhe deres:
Trouxeste
a chave?
(Carlos Drummond de Andrade, Procura da poesia)
11. (Ufscar 2008) Voltando ao texto em prosa de Vinícius de Moraes e pondo foco no trecho
"Seu único dever é fazê-lo da maneira mais bela",
a)
A que se refere no texto o pronome "seu"?
b)
A que se refere no texto o pronome "lo"?
Resposta:
a)
O pronome "seu" (um anafórico) retoma o substantivo
"poeta".
b)
O pronome "lo" (um anafórico) retoma o ato de escrever poesia para
tentar representar "a vida, com tudo o que ela tem de sórdido e
sublime".
Link para questões de outras disciplinas: http://araoalves.blogspot.com.br/
Bons estudos!!
Muito obrigada,por compartilhar as resposta.
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