domingo, 21 de abril de 2013

Literatura - Questões discursivas com gabarito comentado - modernismo, arcadismo, contemporânea etc












1. (Fuvest 2013)  Não mais, musa, não mais, que a lira tenho
Destemperada e a voz enrouquecida,
E não do canto, mas de ver que venho
Cantar a gente surda e endurecida.
O favor com que mais se acende o engenho
Não no dá a pátria, não, que está metida
No gosto da cobiça e na rudeza
Duma austera, apagada e vil tristeza.

Luis de Camões. Os Lusíadas.

a) Cite uma característica típica e uma característica atípica da poesia épica, presentes na estrofe. Justifique.
b) Relacione o conteúdo dessa estrofe com o momento vivido pelo Império Português por volta de 1572, ano da publicação de Os Lusíadas.  


Resposta:

[Resposta do ponto de vista da disciplina de História]

b) Embora em 1572 o império português estivesse vivenciando seu auge, tornando-se verdadeiramente global, com uma rede de entrepostos que ligava Lisboa a Nagasaki, trazendo enormes riquezas para Portugal, o poeta, nesta estrofe, evidencia o paradoxo entre essa riqueza e a maneira como ela era obtida, através, especialmente, de “cobiça” e “rudeza”.

[Resposta do ponto de vista da disciplina de Português]

a) Na estrofe que faz parte do epílogo da epopeia “Os Lusíadas”, o poeta dirige-se às musas, declarando-se incapaz de continuar a fazer poesia devido ao ambiente de cobiça e insensibilidade social que o rodeia. A menção a figuras da mitologia é típica da poesia épica que narra os feitos heroicos de um povo de forma grandiloquente e usa a intervenção de seres sobrenaturais para engrandecimento da ação. Também os versos decassílabos dispostos em esquema rimático ABABABABCC refletem o rigor formal característico do Classicismo. No entanto, o tom decepcionado do poeta que, nesta estrofe, tece duras críticas ao aviltamento moral em que o país tinha mergulhado não é comum nas epopeias clássicas que se restringem a enaltecer virtudes e qualidades do herói coletivo.
b) No final do século XVI, Portugal atingiu o ponto mais alto da sua economia mercantilista decorrente da expansão marítima por todos os continentes. No entanto, uma crise dinástica que tem início no reinado de D. Sebastião e que se intensifica após sua morte na batalha de Alcácer-Quibir, provocará o início do declínio do Império e que se agravará com o domínio espanhol sobre Portugal até meados do século XVII.



  
2. (Fuvest 2013)  No excerto abaixo, narra-se parte do encontro de Brás Cubas com Quincas Borba, quando este, reduzido à miséria, mendigava nas ruas do Rio de Janeiro:

Tirei a carteira, escolhi uma nota de cinco mil-réis, – a menos limpa, – e dei-lha [a Quincas Borba]. Ele recebeu-ma com os olhos cintilantes de cobiça. Levantou a nota ao ar, e agitou-a entusiasmado.
In hoc signo vinces!* bradou.
E depois beijou-a, com muitos ademanes de ternura, e tão ruidosa expansão, que me produziu um sentimento misto de nojo e lástima. Ele, que era arguto, entendeu-me; ficou sério, grotescamente sério, e pediu-me desculpa da alegria, dizendo que era alegria de pobre que não via, desde muitos anos, uma nota de cinco mil-réis.
— Pois está em suas mãos ver outras muitas, disse eu.
— Sim? acudiu ele, dando um bote para mim.
— Trabalhando, concluí eu.

* “In hoc signo vinces!”: citação em latim que significa “Com este sinal vencerás” (frase que teria aparecido no céu, junto de uma cruz, ao imperador Constantino, antes de uma batalha).

Machado de Assis, Memórias póstumas de Brás Cubas.

a) Tendo em vista a autobiografia de Brás Cubas e as considerações que, ao longo de suas Memórias póstumas, ele tece a respeito do tema do trabalho, comente o conselho que, no excerto, ele dá a Quincas Borba: “— Trabalhando, concluí eu”.
b) Tendo, agora, como referência, a história de D. Plácida, contada no livro, discuta sucintamente o mencionado conselho de Brás Cubas.  


Resposta:

a) O conselho de Brás Cubas a Quincas Borba revela a hipocrisia do personagem-narrador que, nascido em família abastada e amparado pelos privilégios concedidos à elite burguesa do Segundo Reinado, nunca tivera de trabalhar para garantir a sua sobrevivência.
b) Brás Cubas assume comportamentos diferentes relativamente a Quincas Borba e a D. Plácida. Enquanto que ao primeiro, num gesto vaidoso e paternalista, lhe dava uma pequena esmola e aconselhava a trabalhar para conseguir mais dinheiro, à segunda, movido pelo interesse em manter uma aliada para os seus encontros clandestinos com Virgília, oferecia quantias generosas sem nenhum sentimento de culpa.



  
3. (Pucrj 2013)  Texto 1

As crônicas da vila de Itaguaí dizem que em tempos remotos vivera ali um certo médico, o Dr. Simão Bacamarte, filho da nobreza da terra e o maior dos médicos do Brasil, de Portugal e das Espanhas. Estudara em Coimbra e Pádua. Aos trinta e quatro anos regressou ao Brasil, não podendo el-rei alcançar dele que ficasse em Coimbra, regendo a universidade, ou em Lisboa, expedindo os negócios da monarquia.
– A ciência, disse ele a Sua Majestade, é o meu emprego único; Itaguaí é o meu universo.
Dito isto, meteu-se em Itaguaí, e entregou-se de corpo e alma ao estudo da ciência, alternando as curas com as leituras, e demonstrando os teoremas com cataplasmas. Aos quarenta anos casou com D. Evarista da Costa e Mascarenhas, senhora de vinte e cinco anos, viúva de um juiz de fora, e não bonita nem simpática. Um dos tios dele, caçador de pacas perante o Eterno, e não menos franco, admirou-se de semelhante escolha e disse-lho. Simão Bacamarte explicou-lhe que D. Evarista reunia condições fisiológicas e anatômicas de primeira ordem, digeria com facilidade, dormia regularmente, tinha bom pulso, e excelente vista; estava assim apta para dar-lhe filhos robustos, sãos e inteligentes. Se além dessas prendas, – únicas dignas da preocupação de um sábio, – D. Evarista era mal composta de feições, longe de lastimá-lo, agradecia-o a Deus, porquanto não corria o risco de preterir os interesses da ciência na contemplação exclusiva, miúda e vulgar da consorte.
D. Evarista mentiu às esperanças do Dr. Bacamarte, não lhe deu filhos robustos nem mofinos. A índole natural da ciência é a longanimidade; o nosso médico esperou três anos, depois quatro, depois cinco. Ao cabo desse tempo fez um estudo profundo da matéria, releu todos os escritores árabes e outros, que trouxera para Itaguaí, enviou consultas às universidades italianas e alemãs, e acabou por aconselhar à mulher um regímen alimentício especial. A ilustre dama, nutrida exclusivamente com a bela carne de porco de Itaguaí, não atendeu às admoestações do esposo; e à sua resistência, – explicável mas inqualificável, – devemos a total extinção da dinastia dos Bacamartes.
Mas a ciência tem o inefável dom de curar todas as mágoas; o nosso médico mergulhou inteiramente no estudo e na prática da medicina. Foi então que um dos recantos desta lhe chamou especialmente a atenção, – o recanto psíquico, o exame de patologia cerebral. Não havia na colônia, e ainda no reino, uma só autoridade em semelhante matéria, mal explorada, ou quase inexplorada. Simão Bacamarte compreendeu que a ciência lusitana, e particularmente a brasileira, podia cobrir-se de “louros imarcescíveis”, – expressão usada por ele mesmo, mas em um arroubo de intimidade doméstica; exteriormente era modesto, segundo convém aos sabedores.
– A saúde da alma, bradou ele, é a ocupação mais digna do médico.

ASSIS, Machado de. O alienista. São Paulo: Ática, 1982, pp. 9-10.

Texto 2

O Assinalado

Tu és o louco da imortal loucura,
o louco da loucura mais suprema.
A terra é sempre a tua negra algema,
prende-te nela extrema Desventura.

Mas essa mesma algema de amargura,
mas essa mesma Desventura extrema
faz que tu’alma suplicando gema
e rebente em estrelas de ternura.

Tu és o Poeta, o grande Assinalado
que povoas o mundo despovoado,
de belezas eternas, pouco a pouco.

Na Natureza prodigiosa e rica
toda a audácia dos nervos justifica
os teus espasmos imortais de louco!

BILAC, Olavo. In: BARBOSA, Frederico (Org.). Clássicos da poesia brasileira. Rio de Janeiro: O Globo, Klick Editora, 1997, pp.163-164.

Texto 3

Casablanca

Te acalma, minha loucura!
Veste galochas nos teus cílios tontos e habitados!
Este som de serra de afiar as facas
não chegará nem perto do teu canteiro de taquicardias...

Estas molas a gemer no quarto ao lado
Roberto Carlos a gemer nas curvas da Bahia
O cheiro inebriante dos cabelos na fila em frente no cinema...

As chaminés espumam pros meus olhos
As hélices do adeus despertam pros meus olhos
Os tamancos e os sinos me acordam depressa na madrugada feita de binóculos de gávea
e chuveirinhos de bidê que escuto rígida nos lençóis de pano

CESAR, Ana Cristina. A teus pés. São Paulo: Brasiliense, 1982, p.60.
Texto 4

Platão defendeu, no Banquete, em Fedra e em outros textos, a existência de um espírito místico ou furor enviado pelo céu, através do qual uns poucos eleitos se “inspiravam”: “As maiores bênçãos vêm por intermédio da loucura, aliás, da loucura que é enviada pelo céu.” Possuídas assim por visões transcendentais ou por conhecimentos transcendentais, essas pessoas desfrutavam de uma “loucura divina”, que as elevava acima dos mortais.
A concepção freudiana do gênio era bastante diferente. Não era uma dádiva dos deuses, mas resultado dos processos do inconsciente; não vinha de cima, mas de dentro, das profundezas. [...]
A “arte” e a habilidade artística, mais que a inspiração, eram consideradas a marca do artista ou do escritor, e as estruturas de patronagem do mundo das letras tradicional proviam fortes argumentos a favor da conformidade social, em vez de excentricidade do artista.
Isso não quer dizer que a “imaginação” e o “gênio” visionário estivessem em baixa em terrenos críticos. Mas a teoria clássica, modificada pela psicologia empirista do Iluminismo, insistia que a imaginação não deveria ser obstinada, idiossincrática e visionária, mas residir na sólida formação dos sentidos e ser temperada pelo juízo. O verdadeiro gênio era um impulso orgânico saudável para a combinação das matérias-primas da mente.

PORTER, Roy. Uma História Social da Loucura. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1990. p.81-82.

a) No texto 4, Roy Porter aborda concepções distintas de genialidade. Sem reproduzir as palavras do autor, explique a diferença que ele estabelece entre tais conceitos.
b) Considerando os textos 1, 2 e 3, identifique aquele que retoma o que é posto no primeiro parágrafo do texto 4. Justifique a sua escolha.


Resposta:

a) No texto 4, o autor contrasta a genialidade concebida como dom, como graça divina à genialidade advinda de traços inerentes ao indivíduo, conscientes ou inconscientes.
b) O texto 2, assim como o primeiro parágrafo do texto 4, traz a ideia do gênio louco e visionário que se eleva acima dos mortais.



  
4. (Unicamp 2013)  Millôr Fernandes foi dramaturgo, jornalista, humorista e autor de frases que se tornaram célebres. Em uma delas, lê-se:

Por quê? é filosofia. Porque é pretensão.

a) Explique a diferença no funcionamento linguístico da expressão “porque” indicada nas duas formas de grafá-la.
b) Explique o sentido do segundo enunciado do texto (Porque é pretensão), levando em consideração a forma como ele se contrapõe ao primeiro enunciado. Considere em sua resposta apenas o sentido atribuído à palavra pretensão que se encontra abaixo.

pretensão: vaidade exagerada, presunção.


Resposta:

a) A expressão “por que”, junção da preposição “por” + pronome interrogativo, tem o significado de por qual razão ou por qual motivo e é usada em perguntas diretas ou indiretas. O termo “porque”, conjunção causal ou explicativa com valor aproximado de pois, uma vez que, é usado em respostas.
b) A expressão “por que”, por ser usada em perguntas, sugere a curiosidade de quem se interessa pela realidade e busca o sentido da existência. Já o termo “porque”, por ser usado em respostas, sugere a vaidade de quem julga ter sempre a verdade. 



  
5. (Unifesp 2013)  Leia o poema Prece, de Fernando Pessoa.

Senhor, a noite veio e a alma é vil.
Tanta foi a tormenta e a vontade!
Restam-nos hoje, no silêncio hostil,
O mar universal e a saudade.

Mas a chama, que a vida em nós criou,
Se ainda há vida ainda não é finda.
O frio morto em cinzas a ocultou:
A mão do vento pode erguê-la ainda.

Dá o sopro, a aragem ou desgraça ou ânsia –,
Com que a chama do esforço se remoça,
E outra vez conquistaremos a Distância
Do mar ou outra, mas que seja nossa!

(Fernando Pessoa. Mensagem, 1995.)

Extraído do livro Mensagem, o poema pode ser considerado nacionalista, na medida em que o eu lírico
a) apresenta Portugal como uma nação decadente, que não faz jus ao seu passado de heroísmo e glórias.   
b) inspira-se no passado de heroísmo do povo português que, no presente, já não acredita na sua história.   
c) busca reviver o sonho de uma da nação grandiosa, cantando um Portugal almejado por seus feitos gloriosos.   
d) reconhece o desejo de o povo português glorificar seus heróis, o que não foi possível até o seu presente.   
e) descreve o Portugal de seu tempo como uma nação gloriosa e marcada por histórias de heroísmo.   


Resposta:

[C]

É correta a opção [C], pois, nos versos “Mas a chama… / A mão do vento pode erguê-la ainda” e “E outra vez conquistaremos a Distância – / Do mar ou outra”, o eu lírico expressa o desejo de que as glórias do passado possam ser revividas em um futuro próximo.



  
6. (Unicamp 2013)  Ocupavam-se em descobrir uma enorme quantidade de objetos. Comunicaram baixinho um ao outro as surpresas que os enchiam. Impossível imaginar tantas maravilhas juntas. O menino mais novo teve uma dúvida e apresentou-a timidamente ao irmão. Seria que aquilo tinha sido feito por gente? O menino mais velho hesitou, espiou as lojas, as toldas iluminadas, as moças bem-vestidas. Encolheu os ombros. Talvez aquilo tivesse sido feito por gente. Nova dificuldade chegou-lhe ao espírito, soprou-a no ouvido do irmão. Provavelmente aquelas coisas tinham nomes. O menino mais novo interrogou-o com os olhos. Sim, com certeza as preciosidades que se exibiam nos altares da igreja e nas prateleiras das lojas tinham nomes. Puseram-se a discutir a questão intricada. Como podiam os homens guardar tantas palavras? Era impossível, ninguém conservaria tão grande soma de conhecimentos. Livres dos nomes, as coisas ficavam distantes, misteriosas. Não tinham sido feitas por gente. E os indivíduos que mexiam nelas cometiam imprudência. Vistas de longe, eram bonitas. Admirados e medrosos, falavam baixo para não desencadear as forças estranhas que elas porventura encerrassem.

(Graciliano Ramos, Vidas secas. Rio de Janeiro: Record, 2012, p.82.)

Sinha Vitória precisava falar. Se ficasse calada, seria como um pé de mandacaru, secando, morrendo. Queria enganar-se, gritar, dizer que era forte, e a quentura medonha, as árvores transformadas em garranchos, a imobilidade e o silêncio não valiam nada. Chegou-se a Fabiano, amparou-o e amparou-se, esqueceu os objetos próximos, os espinhos, as arribações, os urubus que farejavam carniça. Falou no passado, confundiu-se com o futuro. Não poderiam voltar a ser o que já tinham sido?

(Idem, p.120.)

a) O contraste entre as preciosidades dos altares da igreja e das prateleiras das lojas, no primeiro excerto, e as árvores transformadas em garranchos, no segundo, caracteriza o conflito que perpassa toda a narrativa de Vidas secas. Em que consiste este conflito?
b) No primeiro excerto, encontra-se posta uma questão recorrente em Vidas secas: a relação entre linguagem e mundo. Explique em que consiste esta relação na passagem acima.


Resposta:

a) Os trechos do enunciado apresentam, entre outros, o caleidoscópio de sentimentos e emoções da família de Fabiano enquanto observam as festividades de Natal na cidade. No primeiro excerto, os meninos maravilham-se com tantas luzes e gente e assustam-se com o ambiente da igreja e das lojas que desconheciam. No segundo, Sinha Vitória está aflita com a situação de Fabiano que se tinha embriagado e ficara deitado no chão, dormindo pesadamente. Em ambos os excertos, está presente o conflito de quem vive em absoluta situação de precariedade e rudeza e estranha o mundo dos mais afortunados que têm acesso ao “luxo” e à abastança.
b) O mundo retratado na obra “Vidas secas” é revelador do sofrimento dos que vivem em condições sub-humanas no sertão nordestino, submetidos aos rigores do clima e ao isolamento social, o que lhes embota o raciocínio e provoca o ressecamento do ser. Assim, num espaço em que impera o silêncio apenas entrecortado pelos gritos dos animais, os personagens adquirem as mesmas características, tornando-se cada vez mais “bichos” e menos “gente”. No excerto 2, Sinha Vitória procura demarcar-se do meio que a cerca (“Se ficasse calada, seria como um pé de mandacaru, secando, morrendo”), mas a pobreza e a falta de instrução fazem com que a distância que a separa das outras pessoas aumente cada dia mais. Assim, mais do que a seca e a miséria, a linguagem é que se configura como essência do que nos faz humanos: a capacidade de comunicação. 



  
7. (Unicamp 2013)  O excerto abaixo foi extraído do poema Ode no Cinquentenário do Poeta Brasileiro, de Carlos Drummond de Andrade, que homenageia o também poeta Manuel Bandeira.

(...) Por isso sofremos: pela mensagem que nos
[confias
entre ônibus, abafada pelo pregão dos jornais e
[mil queixas operárias;
essa insistente mas discreta mensagem que, aos
[cinquenta anos, poeta, nos trazes;
e essa fidelidade a ti mesmo com que nos
[apareces
sem uma queixa no rosto entretanto experiente,
mão firme estendida para o aperto fraterno
o poeta acima da guerra e do ódio entre os
[homens –,
o poeta ainda capaz de amar Esmeralda embora a
[alma anoiteça,
o poeta melhor que nós todos, o poeta mais forte
mas haverá lugar para a poesia?

Efetivamente o poeta Rimbaud fartou-se de
[escrever,
o poeta Maiakovski suicidou-se,
o poeta Schmidt abastece de água o Distrito
[Federal...
Em meio a palavras melancólicas,
ouve-se o surdo rumor de combates longínquos

(cada vez mais perto, mais, daqui a pouco dentro
[de nós).
E enquanto homens suspiram, combatem ou
[simplesmente ganham dinheiro,
ninguém percebe que o poeta faz cinquenta anos,
que o poeta permaneceu o mesmo, embora
[alguma coisa de extraordinário se houvesse
[[passado,
alguma coisa encoberta de nós, que nem os olhos
[traíram nem as mãos apalparam,
susto, emoção, enternecimento,
desejo de dizer: Emanuel, disfarçado na meiguice
[elástica dos abraços,
e uma confiança maior no poeta e um pedido
[lancinante para que não nos deixe sozinhos nesta
[[cidade
em que nos sentimos pequenos à espera dos
[maiores acontecimentos. (...)


(Carlos Drummond de Andrade, Sentimento do mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 2012, p. 49.)

a) O que, no poema, leva o eu lírico a perguntar: “mas haverá lugar para a poesia?”
b) É possível afirmar que a figura de Manuel Bandeira, evocada pelo poeta, se contrapõe ao sentimento de pessimismo expresso no poema e no livro Sentimento do mundo. Explique por quê.


Resposta:

a) O questionamento do eu lírico sobre a oportunidade de se fazer poesia resulta das incertezas face ao ambiente sociopolítico em que se encontra. Num mundo assolado por guerras desencadeadas pela ganância (“E enquanto homens suspiram, combatem ou / [simplesmente ganham dinheiro”), o eu lírico relembra outros poetas que sofreram as consequências das circunstâncias (“Efetivamente o poeta Rimbaud fartou-se de /[escrever, o poeta Maiakovski suicidou-se,/o poeta Schmidt abastece de água o Distrito/[Federal”) e reflete se não será oportuno esperar dias melhores para expressar liricamente os seus sentimentos e emoções (“nos sentimos pequenos à espera dos /[maiores acontecimentos”).
b) Sim, é possível perceber que a figura de Manuel Bandeira se contrapõe ao sentimento de pessimismo expresso no poema e no livro Sentimento do mundo. A sequência de versos que aludem ao poeta do 1º Tempo do Modernismo (“sem uma queixa no rosto entretanto experiente, mão firme estendida para o aperto fraterno/ o poeta acima da guerra e do ódio entre os/ [homens –,/o poeta ainda capaz de amar Esmeralda embora a/ [alma anoiteça,/ o poeta melhor que nós todos, o poeta mais forte”) deixa transparecer a postura otimista do poeta que enfrentou as vicissitudes da vida com coragem e generosidade, imune às circunstâncias físicas que o limitaram e fizeram sofrer, para continuar celebrando a vida e o amor através da poesia.



  
8. (Fuvest 2013)  Leia o seguinte poema.

TRISTEZA DO IMPÉRIO

Os conselheiros angustiados
ante o colo ebúrneo
das donzelas opulentas
que ao piano abemolavam
“bus-co a cam-pi-na se-re-na
pa-ra-li-vre sus-pi-rar”,
esqueciam a guerra do Paraguai,
o enfado bolorento de São Cristóvão,
a dor cada vez mais forte dos negros
e sorvendo mecânicos
uma pitada de rapé,
sonhavam a futura libertação dos instintos
e ninhos de amor a serem instalados nos arranha-céus de Copacabana, com rádio e telefone automático.

Carlos Drummond de Andrade, Sentimento do mundo.

a) Compare sucintamente “os conselheiros” do Império, tal como os caracteriza o poema de Drummond, ao protagonista das Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis.
b) Ao conjugar de maneira intempestiva o passado imperial ao presente de seu próprio tempo, qual é a percepção da história do Brasil que o poeta revela ser a sua? Explique resumidamente.  


Resposta:

a) Os “conselheiros” do Império, citados no poema de Drummond, são representantes de uma elite burguesa que se caracteriza pela insensibilidade social e alienação política, grupo em que está inserido também Brás Cubas, protagonista do romance de Machado de Assis. Entregues a futilidades e a prazeres imediatos, esquecem os verdadeiros dramas que os cercam, moldam as suas vidas de acordo com os interesses individuais de um mundo de aparências e experimentam o tédio e a angústia de quem não luta pela realização pessoal.
b) Ao conjugar o passado imperial ao presente de seu próprio tempo, Drummond apresenta uma visão crítica e pessimista da História do Brasil, pois as atitudes da elite do sistema totalitarista de Getúlio imitam as da elite do século XIX no que diz respeito a frivolidade, alienação e provincianismo.  



  
9. (Pucrj 2013)  Texto 1
Espalham-se, por fim, as sombras da noite.
O sertanejo que de nada cuidou, que não ouviu as harmonias da tarde, nem reparou nos esplendores do céu, que não viu a tristeza a pairar sobre a terra, que de nada se arreceia, consubstanciado como está com a solidão, para, relanceia os olhos ao derredor de si e, se no lagar pressente alguma aguada, por má que seja, apeia-se, desencilha o cavalo e reunindo logo uns gravetos bem secos, tira fogo do isqueiro, mais por distração do que por necessidade.
Sente-se deveras feliz. Nada lhe perturba a paz do espírito ou o bem-estar do corpo. Nem sequer monologa, como qualquer homem acostumado a conversar.
Raros são os seus pensamentos: ou rememora as léguas que andou, ou computa as que tem que vencer para chegar ao término da viagem.
No dia seguinte, quando aos clarões da aurora acorda toda aquela esplêndida natureza, recomeça ele a caminhar, como na véspera, como sempre.
Nada lhe parece mudado no firmamento: as nuvens de si para si são as mesmas. Dá-lhe o Sol, quando muito, os pontos cardeais, e a terra só lhe prende a atenção, quando algum sinal mais particular pode servir-lhe de marco miliário na estrada que vai trilhando.

TAUNAY, Visconde de. Inocência. Disponível em: <http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bn000002.pdf>. Acesso em: 20 set. 2012.

Texto 2
Na planície avermelhada, os juazeiros alargavam duas manchas verdes. Os infelizes tinham caminhado o dia inteiro, estavam cansados e famintos. Ordinariamente andavam pouco, mas como haviam repousado bastante na areia do rio seco, a viagem progredira bem três léguas. Fazia horas que procuravam uma sombra. A folhagem dos juazeiros apareceu longe, através dos galhos pelados da caatinga rala.
Arrastaram-se para lá, devagar, Sinhá Vitória com o filho mais novo escanchado no quarto e o baú de folha na cabeça, Fabiano sombrio, cambaio, o aió a tiracolo, a cuia pendurada numa correia presa ao cinturão, a espingarda de pederneira no ombro. O menino mais velho e a cachorra Baleia iam atrás.
Os juazeiros aproximaram-se, recuaram, sumiram-se. O menino mais velho pôs-se a chorar, sentou-se no chão.
– Anda, condenado do diabo, gritou-lhe o pai.
Não obtendo resultado, fustigou-o com a bainha da faca de ponta. Mas o pequeno esperneou acuado, depois sossegou, deitou-se, fechou os olhos. Fabiano ainda lhe deu algumas pancadas e esperou que ele se levantasse. Como isto não acontecesse, espiou os quatro cantos, zangado, praguejando baixo.
A caatinga estendia-se, de um vermelho indeciso salpicado de manchas brancas que eram ossadas. O voo negro dos urubus fazia círculos altos em redor de bichos moribundos.
– Anda, excomungado.
O pirralho não se mexeu, e Fabiano desejou matá-lo. Tinha o coração grosso, queria responsabilizar alguém pela sua desgraça. A seca aparecia-lhe como um fato necessário – e a obstinação da criança irritava-o. Certamente esse obstáculo miúdo não era culpado, mas dificultava a marcha, e o vaqueiro precisava chegar, não sabia onde.

RAMOS, Graciliano. Vidas Secas. Rio de Janeiro: Record, 1986, pp. 9-10.

Texto 3
Toda viagem é interior
embora
por fora
se vista o carro ou o trem
e se aprenda a nadar
com o navio
e a voar
pelos ares, com as bombas
e os aviões;
toda viagem
se faz por dentro
como as estações
se fabricam, invisíveis
a partir do vento
silenciosas
como quando um pensamento
muda de tempo e de marcha
distraído de si, e entra
em outro clima
com a cabeça no ar:
psiu, míssil, além do som
e de qualquer mapa
ou guia que desenrolo
míope, sobre a estrada
que passa
sob meu pé-pneumático
sob o célere céu azul
do meu chapéu;
toda viagem
avança e se alimenta
apenas de horizontes
futuros, infinitos, vazios
e nuvens:
toda viagem é anterior.

FREITAS FILHO, Armando. Longa vida. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982, pp.115-116.

a) Tomando como base a leitura comparativa dos textos 1, 2 e 3, determine o sentido da palavra “viagem” em cada um deles.
b) Determine o gênero literário predominante no texto 3, justificando a sua resposta com aspectos que o caracterizam.


Resposta:

a) No texto 1, a viagem ganha o sentido de deslocamento espacial positivo, com roteiro previsto e bem definido. No texto 2, o mesmo deslocamento espacial é visto negativamente, seja pelas condições adversas, seja por não haver destino definido. No texto 3, a viagem acontece sobretudo no plano do imaginário, indicando um deslocamento predominantemente temporal.
b) O gênero literário predominante no poema de Armando Freitas Filho é o lírico, caracterizado pela presença do eu poético (eu lírico), pelo tom intimista e pela utilização de uma linguagem que produz sensações.



  
10. (Unicamp 2013)  Leia o seguinte trecho do romance Capitães da Areia, de Jorge Amado:

Agora [Pedro Bala] comanda uma brigada de choque formada pelos Capitães da Areia. O destino deles mudou, tudo agora é diverso. Intervêm em comícios, em greves, em lutas obreiras. O destino deles é outro. A luta mudou seus destinos.

(Jorge Amado, Capitães da Areia. São Paulo: Companhia das Letras, 2008, p. 268.)

a) Explique a mudança pela qual os Capitães da Areia passaram, e o que a tornou possível.
b) Que relação se pode estabelecer entre esse desfecho e a tendência política do romance de Jorge Amado?


Resposta:

a) Inicialmente, a narrativa relata as histórias de um grupo de aproximadamente cem "meninos de rua" que sobrevivem de furtos e pequenas trapaças. A trajetória de Pedro Bala, filho de um grevista morto no cais, é a linha condutora de toda a história, ligando os quadros que são apresentados ao longo da narrativa. Por ser o mais corajoso, torna-se chefe das crianças que a pouco e pouco se foram afastando da marginalidade para combater as injustiças sociais, até se transformar em líder revolucionário comunista.
b) Em “Capitães da areia”, Jorge Amado trata de assunto real e desenvolve temas diversos, como a vida dos excluídos e suas lutas, o papel da Igreja, das autoridades e da imprensa. Jorge Amado era membro do Partido Comunista, por isso constrói uma obra de denúncia, com um discurso ideológico que reflete as suas convicções políticas: transformação social decorrente da conscientização e da luta organizada contra as injustiças. 



  
11. (Espcex (Aman) 2013)  Considerando a imagem da mulher nas diferentes manifestações literárias, pode-se afirmar que
a) nas cantigas de amor, originárias da Provença, o eu-lírico é feminino, mostrando o outro lado do relacionamento amoroso.   
b) no Arcadismo, a louvação da mulher é feita a partir da escolha de um aspecto físico em que sua beleza se iguale à perfeição da natureza.   
c) no Realismo, a mulher era idealizada como misteriosa, inatingível, superior, perfeita, como nas cantigas de amor.   
d) a mulher moderna é inferiorizada socialmente e utiliza a dissimulação e a sedução, muitas vezes desencadeando crises e problemas.   
e) a mulher barroca foi apresentada como arquétipo da beleza, evidenciando o poder por ela conquistado, enquanto os homens viviam uma paz espiritual.   


Resposta:

[B]

As opções [A], [C], [D] e [E] são incorretas, pois

[A] nas cantigas de amor, o eu lírico é masculino;
[C] a idealização é típica do Romantismo;
[D] o amor, o casamento, a relação homem e mulher são questões abordadas no Modernismo, questionamentos que provocam reconhecimento e valorização da mulher no espaço social da época;
[E] a estética barroca nega a concepção da figura do ser perfeito típico do Classicismo e apresenta a mulher como alguém dual, merecedora de elogios e também de críticas.

Assim, é correta apenas [B].



  
12. (Pucrj 2013)  Leia.

As crônicas da vila de Itaguaí dizem que em tempos remotos vivera ali um certo médico, o Dr. Simão Bacamarte, filho da nobreza da terra e o maior dos médicos do Brasil, de Portugal e das Espanhas. Estudara em Coimbra e Pádua. Aos trinta e quatro anos regressou ao Brasil, não podendo el-rei alcançar dele que ficasse em Coimbra, regendo a universidade, ou em Lisboa, expedindo os negócios da monarquia.
– A ciência, disse ele a Sua Majestade, é o meu emprego único; Itaguaí é o meu universo.
Dito isto, meteu-se em Itaguaí, e entregou-se de corpo e alma ao estudo da ciência, alternando as curas com as leituras, e demonstrando os teoremas com cataplasmas. Aos quarenta anos casou com D. Evarista da Costa e Mascarenhas, senhora de vinte e cinco anos, viúva de um juiz de fora, e não bonita nem simpática. Um dos tios dele, caçador de pacas perante o Eterno, e não menos franco, admirou-se de semelhante escolha e disse-lho. Simão Bacamarte explicou-lhe que D. Evarista reunia condições fisiológicas e anatômicas de primeira ordem, digeria com facilidade, dormia regularmente, tinha bom pulso, e excelente vista; estava assim apta para dar-lhe filhos robustos, sãos e inteligentes. Se além dessas prendas, – únicas dignas da preocupação de um sábio, – D. Evarista era mal composta de feições, longe de lastimá-lo, agradecia-o a Deus, porquanto não corria o risco de preterir os interesses da ciência na contemplação exclusiva, miúda e vulgar da consorte.
D. Evarista mentiu às esperanças do Dr. Bacamarte, não lhe deu filhos robustos nem mofinos. A índole natural da ciência é a longanimidade; o nosso médico esperou três anos, depois quatro, depois cinco. Ao cabo desse tempo fez um estudo profundo da matéria, releu todos os escritores árabes e outros, que trouxera para Itaguaí, enviou consultas às universidades italianas e alemãs, e acabou por aconselhar à mulher um regímen alimentício especial. A ilustre dama, nutrida exclusivamente com a bela carne de porco de Itaguaí, não atendeu às admoestações do esposo; e à sua resistência, – explicável mas inqualificável, – devemos a total extinção da dinastia dos Bacamartes.
Mas a ciência tem o inefável dom de curar todas as mágoas; o nosso médico mergulhou inteiramente no estudo e na prática da medicina. Foi então que um dos recantos desta lhe chamou especialmente a atenção, – o recanto psíquico, o exame de patologia cerebral. Não havia na colônia, e ainda no reino, uma só autoridade em semelhante matéria, mal explorada, ou quase inexplorada. Simão Bacamarte compreendeu que a ciência lusitana, e particularmente a brasileira, podia cobrir-se de “louros imarcescíveis”, – expressão usada por ele mesmo, mas em um arroubo de intimidade doméstica; exteriormente era modesto, segundo convém aos sabedores.
– A saúde da alma, bradou ele, é a ocupação mais digna do médico.

ASSIS, Machado de. O alienista. São Paulo: Ática, 1982, pp. 9-10.

a) A compreensão do jogo entre o narrador, as personagens e o leitor é um dos procedimentos críticos necessários à análise da obra literária. Comente, utilizando as suas próprias palavras, a problemática do foco narrativo no conto “O alienista” tendo como referência o início do texto.
b) Dois dos mais significativos aspectos da obra do autor de “Dom Casmurro” estão relacionados ao seu ceticismo e à crítica corrosiva e sarcástica da sociedade brasileira do seu tempo. Publicado entre outubro de 1881 e março de 1882, O alienista narra a trajetória de Simão Bacamarte, médico voltado para a pesquisa, entendimento e cura dos males do espírito. Tomando por base o fragmento selecionado, comente criticamente a visão de Machado de Assis sobre os postulados do pensamento positivista e da ideologia do progresso tão valorizados no fim do século XIX.


Resposta:

a) O foco narrativo do texto é de terceira pessoa, ou seja, o narrador onisciente tem conhecimento dos fatos, sentimentos, opiniões e pensamentos das personagens. Entretanto, no início do texto, o narrador, ao citar “as crônicas da vila de Itaguaí”, incluindo outros narradores no seu relato, mistura história e ficção e configura a inconfiabilidade do foco narrativo.
b) Nota-se no texto a maneira irônica com que são descritos tanto a chegada do médico à vila quanto os critérios utilizados pelo Dr. Bacamarte na escolha da futura esposa. No primeiro caso, configura-se a ideia de progresso através da atividade científica mencionada. Em relação ao positivismo, percebe-se que Dona Evarista é a eleita devido as suas “condições fisiológicas e anatômicas”, distantes da ideia previsível de uma escolha pelo amor e pela beleza física.



  
13. (Unicamp 2013)  Leia os seguintes trechos de Viagens na minha terra e de Memórias Póstumas de Brás Cubas:

Benévolo e paciente leitor, o que eu tenho decerto ainda é consciência, um resto de consciência: acabemos com estas digressões e perenais divagações minhas.

(Almeida Garrett, Viagens na minha terra. São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1969, p.187.)

Neste despropositado e inclassificável livro das minhas Viagens, não é que se quebre, mas enreda-se o fio das histórias e das observações por tal modo, que, bem o vejo e o sinto, só com muita paciência se pode deslindar e seguir em tão embaraçada meada.

(Idem, p. 292.)

Mas o livro é enfadonho, cheira a sepulcro, traz certa contração cadavérica; vício grave, e aliás íntimo, por que o maior defeito deste livro és tu, leitor. Tens pressa de envelhecer, e o livro anda devagar; tu amas a narração direita e nutrida, o estilo regular e fluente, e este livro e o meu estilo são como os ébrios, guinam à direita e à esquerda, andam e param, resmungam, urram, gargalham, ameaçam o céu, escorregam e caem...

(Machado de Assis, Memórias Póstumas de Brás Cubas, em Romances, vol I. Rio de Janeiro: Garnier, 1993, p. 140.)

a) No que diz respeito à forma de narrar, que semelhanças entre os dois livros são evidenciadas pelos trechos acima?
b) Que tipo de leitor esta forma de narrar procura frustrar, e de que maneira esse leitor é tratado por ambos os narradores?


Resposta:

a) Em ambos os textos, os narradores em 1ª pessoa estabelecem diálogo com o leitor (“Benévolo e paciente leitor”, “o maior defeito deste livro és tu, leitor”), usam o recurso da função metalinguística (“Neste despropositado e inclassificável livro das minhas Viagens”, “Mas o livro é enfadonho, cheira a sepulcro, traz certa contração cadavérica”) e desviam-se da narrativa cronológica para abrirem espaço a digressões (“acabemos com estas digressões e perenais divagações minhas”, “este livro e o meu estilo são como os ébrios, guinam à direita e à esquerda, andam e param, resmungam, urram, gargalham, ameaçam o céu, escorregam e caem”).
b) O leitor é tratado de forma respeitosa no excerto de Almeida Garrett e irônica no de Machado de Assis. Ambos deduzem que o público da época preferia a narrativa linear, com recursos técnicos facilitadores de leitura, desenvolvimento de tramas que provocassem as emoções até um clímax e conduzissem a um final previsível.




TEXTO PARA A PRÓXIMA QUESTÃO:
Língua

Esta língua é como um elástico
que espicharam pelo mundo.

No início era tensa,
de tão clássica.

Com o tempo, se foi amaciando,
foi-se tornando romântica,
incorporando os termos nativos
e amolecendo nas folhas de bananeira
as expressões mais sisudas.

Um elástico que já não se pode
mais trocar, de tão usado;
nem se arrebenta mais, de tão forte.

Um elástico assim como é a vida
que nunca volta ao ponto de partida.

GILBERTO MENDONÇA TELES
Hora aberta: poemas reunidos. Rio de Janeiro: José Olympio; Brasília: INL, 1986.  


14. (Uerj 2013)  Para o senso comum, o uso duradouro e frequente de certos objetos tende a causar desgaste e a exigir sua substituição. Uma referência a essa ideia vem expressa em dois versos do poema.
Transcreva esses versos. Em seguida, explique por que, segundo o poema, o uso da língua não confirma o senso comum.


Resposta:

Os versos “Um elástico que já não se pode/ mais trocar, de tão usado” traduzem a sensação de desgaste, que exige substituição. Segundo o poema, o uso da língua não confirma o senso comum, pois a existência de uma língua depende de que ela seja usada por um grande número de pessoas, ao contrário de certos objetos, que podem ser consumidos pelo uso. 



  
15. (Unicamp 2012)  Os excertos abaixo foram extraídos do Auto da barca do inferno, de Gil Vicente.

(...) FIDALGO: Que leixo na outra vida
quem reze sempre por mi.
DIABO: (...) E tu viveste a teu prazer,
cuidando cá guarecer
por que rezem lá por ti!...(...)
ANJO: Que querês?
FIDALGO: Que me digais,
pois parti tão sem aviso,
se a barca do paraíso
é esta em que navegais.
ANJO: Esta é; que me demandais?
FIDALGO: Que me leixês embarcar.
sô fidalgo de solar,
é bem que me recolhais.
ANJO: Não se embarca tirania
neste batel divinal.
FIDALGO: Não sei por que haveis por mal
Que entr’a minha senhoria.

ANJO: Pera vossa fantesia
mui estreita é esta barca.
FIDALGO: Pera senhor de tal marca
nom há aqui mais cortesia? (...)
ANJO: Não vindes vós de maneira
pera ir neste navio.
Essoutro vai mais vazio:
a cadeira entrará
e o rabo caberá
e todo vosso senhorio.
Vós irês mais espaçoso
com fumosa senhoria,
cuidando na tirania
do pobre povo queixoso;
e porque, de generoso,
desprezastes os pequenos,
achar-vos-eis tanto menos
quanto mais fostes fumoso. (…)

SAPATEIRO: (...) E pera onde é a viagem?
DIABO: Pera o lago dos danados.
SAPATEIRO: Os que morrem confessados,
onde têm sua passagem?
DIABO: Nom cures de mais linguagem!
Esta é a tua barca, esta!
(...) E tu morreste excomungado:
não o quiseste dizer.
Esperavas de viver,
calaste dous mil enganos...
tu roubaste bem trint'anos
o povo com teu mester. (...)
SAPATEIRO: Pois digo-te que não quero!
DIABO: Que te pês, hás-de ir, si, si!
SAPATEIRO: Quantas missas eu ouvi,
não me hão elas de prestar?
DIABO: Ouvir missa, então roubar,
é caminho per'aqui.

(Gil Vicente, Auto da barca do inferno, em Cleonice Berardinelli (org.), Antologia do teatro de Gil Vicente. Rio de Janeiro: Nova Fronteira; Brasília: INL, 1984, p. 57-59 e 68-69.)

a) Por que razão específica o fidalgo é condenado a seguir na barca do inferno? E o sapateiro?
b) Além das faltas específicas desses personagens, há uma outra, comum a ambos e bastante praticada à época, que Gil Vicente condena. Identifique essa falta e indique de que modo ela aparece em cada um dos personagens.


Resposta:

a) As personagens desta obra são divididas em dois grupos: as alegóricas e as personagens-tipo. No primeiro grupo inserem-se o Anjo e o Diabo, representando respectivamente o Bem e o Mal, o Céu e o Inferno. No segundo grupo incluem-se todas as restantes, nomeadamente o fidalgo D. Anrique e o sapateiro Joanantão, personagens que, como todas as outras, trazem elementos simbólicos que representam os seus pecados na vida terrena e dos quais não conseguiram libertar-se. O fidalgo veste um longo manto vermelho e vem acompanhado de um criado que porta uma cadeira, elementos que simbolizam a vaidade e a arrogância. O sapateiro transporta o avental e formas para fazer sapatos, símbolos da exploração interesseira da classe burguesa comercial.
b) Tanto o fidalgo quanto o sapateiro acreditavam que os rituais recomendados pela igreja católica para salvação da alma eram garantia absoluta para entrar no Paraíso, o que é desmentido pelo diabo. O fidalgo usa o argumento de que deixou na terra alguém que reza por ele (“Que leixo na outra vida /quem reze sempre por mi”) e o sapateiro alega que o fato de ter ouvido missas e se ter confessado antes de morrer lhe assegurariam a entrada no Céu (“Os que morrem confessados, /onde têm sua passagem?”, “Quantas missas eu ouvi, /não me hão elas de prestar?”).



  
16. (Insper 2012)  Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
muda-se o ser, muda-se a confiança;
todo o mundo é composto de mudança,
tomando sempre novas qualidades.

Continuamente vemos novidades,
diferentes em tudo da esperança;
do mal ficam as mágoas na lembrança,
e do bem (se algum houve), as saudades.

O tempo cobre o chão de verde manto,
que já coberto foi de neve fria, e, enfim,
converte em choro o doce canto.

E, afora este mudar-se cada dia,
outra mudança faz de mor espanto,
que não se muda já como soía*.

Luís Vaz de Camões

*soía: Imperfeito do indicativo do verbo soer, que significa costumar, ser de costume

Assinale a alternativa em que se analisa corretamente o sentido dos versos de Camões.
a) O foco temático do soneto está relacionado à instabilidade do ser humano, eternamente insatisfeito com as suas condições de vida e com a inevitabilidade da morte.   
b) Pode-se inferir, a partir da leitura dos dois tercetos, que, com o passar do tempo, a recusa da instabilidade se torna maior, graças à sabedoria e à experiência adquiridas.   
c) Ao tratar de mudanças e da passagem do tempo, o soneto expressa a ideia de circularidade, já que ele se baseia no postulado da imutabilidade.   
d) Na segunda estrofe, o eu lírico vê com pessimismo as mudanças que se operam no mundo, porque constata que elas são geradoras de um mal cuja dor não pode ser superada.   
e) As duas últimas estrofes autorizam concluir que a ideia de que nada é permanente não passa de uma ilusão.   


Resposta:

[D]

A primeira estrofe apresenta uma generalização filosófica: a inconstância faz parte de tudo que existe (“todo o mundo é composto de mudança”), devido a permanente instabilidade do mundo exterior e interior do ser humano (“Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades”). Assim, não é específica do homem, nem do grau de experiência que vai adquirindo ao longo da vida, como se afirma em [A] e [B]. Tampouco as opções [C] e [E] analisam corretamente o sentido dos versos de Camões, pois a ideia de circularidade presente nas últimas estrofes confirma a constância das transformações a ponto de que nem a própria mudança acontece sempre da mesma forma e no mesmo ritmo. Assim, é correta apenas [D], já que a segunda estrofe apresenta um eu lírico desiludido que vê o seu “doce canto” convertido em triste “choro”.



  
17. (Unicamp 2012)  Os trechos a seguir foram extraídos de A cidade e as serras, de Eça de Queirós.

Mas dentro, no peristilo, logo me surpreendeu um elevador instalado por Jacinto – apesar do 202 ter somente dois andares, e ligados por uma escadaria tão doce que nunca ofendera a asma da Srª. D. Angelina! Espaçoso, tapetado, ele oferecia, para aquela jornada de sete segundos, confortos numerosos, um divã, uma pele de urso, um roteiro das ruas de Paris, prateleiras gradeadas com charutos e livros. Na antecâmera, onde desembarcamos, encontrei a temperatura macia e tépida duma tarde de Maio, em Guiães. Um criado, mais atento ao termômetro que um piloto à agulha, regulava destramente a boca dourada do calorífero. E perfumadores entre palmeiras, como num terraço santo de Benares, esparziam um vapor, aromatizando e salutarmente umedecendo aquele ar delicado e superfino.
Eu murmurei, nas profundidades do meu assombrado ser:
– Eis a Civilização!

– Meus amigos, há uma desgraça...
Dornan pulou na cadeira: – Fogo?
– Não, não era fogo. Fora o elevador dos pratos que inesperadamente, ao subir o peixe de S. Alteza, se desarranjara, e não se movia, encalhado!
(...)
O Grão-Duque lá estava, debruçado sobre o poço escuro do elevador, onde mergulhara uma vela que lhe avermelhava mais a face esbraseada. Espreitei, por sobre o seu ombro real. Em baixo, na treva, sobre uma larga prancha, o peixe precioso alvejava, deitado na travessa, ainda fumegando, entre rodelas de limão. Jacinto, branco como a gravata, torturava desesperadamente a mola complicada do ascensor. Depois foi o Grão-Duque que, com os pulsos cabeludos, atirou um empuxão tremendo aos cabos em que ele rolava. Debalde! O aparelho enrijara numa inércia de bronze eterno.

(Eça de Queirós, A cidade e as serras. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2006, p. 28, p. 63.)

a) Levando em consideração os dois trechos, explique qual é o significado do enguiço do elevador.
b) Como o desfecho do romance se relaciona com esse episódio?


Resposta:

a) No primeiro trecho, o narrador surpreende-se com o requinte das novas tecnologias, entre elas o elevador apetrechado com os mais diversos acessórios para oferecer o máximo de conforto aos usuários: divã, pele de urso, roteiro das ruas de Paris, prateleiras com charutos e livros. Como o elevador servia apenas dois pavimentos ligados por suaves escadas, percebe-se a excessiva preocupação do morador em dispor da tecnologia da época. No segundo trecho, o leitor percebe claramente que essa tecnologia, muitas vezes, mais atrapalhava do que ajudava, pois o peixe, que poderia ter sido transportado facilmente pelas escadas, tinha ficado preso no poço do ascensor, construído para levar a comida da cozinha para a sala de jantar no andar superior. O enguiço do elevador simboliza, assim, os reveses causados pelo excesso de tecnologia.
b) O final do romance constitui a síntese dos conceitos apresentados por Jacinto e Zé Fernandes. À tese inicial de que a felicidade se obtém em ambiente urbano, único espaço em que a tecnologia e o conhecimento conferem ao homem o estatuto de civilizado, contrapõe-se a convicção antitética de que a felicidade só pode ser encontrada na vida simples em contato com a natureza. Jacinto encontra equilíbrio emocional, recupera a alegria e realiza-se completamente no regresso ao meio rural dos seus antepassados, na atividade agrícola e no uso sensato da tecnologia.



  
18. (Unicamp 2011)  Os trechos abaixo, do Auto da barca do inferno e das Memórias de um sargento de milícias, tratam, de maneira cômica, dos “pecados” de duas personagens que, cada uma a seu modo, representam uma autoridade.

Leia-os com atenção e responda às questões propostas em seguida.

Frade
Ah, Corpo de Deus consagrado!
Pela fé de Jesus Cristo,
qu’eu não posso entender isto!
Eu hei-de ser condenado?
Um padre tão namorado
e tanto dado à virtude!
Assi Deus me dê saúde
que eu estou maravilhado!
Diabo
Não façamos mais detença.
Embarcai e partiremos:
tomareis um par de remos.
Frade
Não ficou isso n’avença!
Diabo
Pois dada está já a sentença!
Frade
Par Deus! Essa seri’ela!
Não vai em tal caravela
minha senhora Florença.
Como? Por ser namorado
e folgar com ua mulher
se há um frade de se perder,
com tanto salmo rezado?
Diabo
Ora estás bem aviado!
Frade
Mas estás bem corregido!
Diabo
Devoto padre marido,
haveis de ser cá pingado...

(Gil Vicente, Auto da barca do inferno. São Paulo: Ática, 2006, p. 35-36.)


            Os leitores estão já curiosos por saber quem é ela, e têm razão; vamos já satisfazê-los. O major era pecador antigo, e no seu tempo fora daqueles de quem se diz que não deram o seu quinhão ao vigário: restava-lhe ainda hoje alguma coisa que às vezes lhe recordava o passado: essa alguma coisa era a Maria-Regalada que morava na Prainha. Maria-Regalada fora no seu tempo uma mocetona de truz, como vulgarmente se diz: era de um gênio sobremaneira folgazão, vivia em contínua alegria, ria-se de tudo, e de cada vez que se ria fazia-o por muito tempo e com muito gosto: daí é que vinha o apelido – regalada – que haviam juntado ao seu nome.

(Manuel Antonio de Almeida, Memória de um sargento de milícias. São Paulo: Ática, 2004, Capítulo XLV - “Empenhos”, p. 142.)

a) O que há de comum na caracterização da conduta do Frade, na peça, e do major Vidigal, no romance?
b) Que diferença entre as obras faz com que essas personagens tenham destinos distintos?


Resposta:

a) Tanto o major Vidigal como o Frade eram homens dados aos prazeres mundanos: o primeiro ainda se sentia seduzido pelos encantos da Maria Regalada, com quem tinha vivido maritalmente durante algum tempo, o segundo contrariara os votos de castidade que a sua condição de frade exigia. Na condição de pessoas que deveriam ser exemplo moral para os outros, apresentam-se ambos em situação criticável pela conduta que tiveram.


b) Gil Vicente, dramaturgo inserido no século XVI, escrevia as suas peças com finalidade moralizante e didática. A sua crítica dirigia-se, sobretudo, às pessoas que não seguiam as leis da moral e da ética e não às instituições a que pertenciam. Assim, o Frade é castigado, pois é condenado ao Inferno, onde será levado pelo Diabo e seu ajudante. Manuel Antônio de Almeida, autor do Romantismo brasileiro, não pretendeu fazer crítica social, apenas elaborou uma divertida crônica de costumes que retratava a classe média-baixa no Rio de Janeiro, no tempo do rei D.João VI. A ausência de moralismo é evidenciada no destino final dos personagens, que, de uma maneira geral, não são punidos pelas faltas que cometem ao longo da sua vida.




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