1.
(Fuvest 2013) Não mais, musa, não mais,
que a lira tenho
Destemperada e a voz
enrouquecida,
E não do canto, mas de ver
que venho
Cantar a gente surda e
endurecida.
O favor com que mais se
acende o engenho
Não no dá a pátria, não,
que está metida
No gosto da cobiça e na
rudeza
Duma austera, apagada e vil
tristeza.
Luis de Camões. Os Lusíadas.
a) Cite uma
característica típica e uma característica atípica da poesia épica, presentes
na estrofe. Justifique.
b) Relacione
o conteúdo dessa estrofe com o momento vivido pelo Império Português por volta
de 1572, ano da publicação de Os Lusíadas.
Resposta:
[Resposta do ponto de vista da disciplina de História]
b) Embora em 1572 o império português estivesse vivenciando seu auge,
tornando-se verdadeiramente global, com uma rede de entrepostos que ligava
Lisboa a Nagasaki, trazendo enormes riquezas para Portugal, o poeta, nesta
estrofe, evidencia o paradoxo entre essa riqueza e a maneira como ela era
obtida, através, especialmente, de “cobiça” e “rudeza”.
[Resposta do ponto de vista da disciplina de Português]
a) Na estrofe que faz parte
do epílogo da epopeia “Os Lusíadas”, o poeta dirige-se às musas, declarando-se
incapaz de continuar a fazer poesia devido ao ambiente de cobiça e
insensibilidade social que o rodeia. A menção a figuras da mitologia é típica
da poesia épica que narra os feitos heroicos de um povo de forma grandiloquente
e usa a intervenção de seres sobrenaturais para engrandecimento da ação. Também
os versos decassílabos dispostos em esquema rimático ABABABABCC refletem o
rigor formal característico do Classicismo. No entanto, o tom decepcionado do
poeta que, nesta estrofe, tece duras críticas ao aviltamento moral em que o
país tinha mergulhado não é comum nas epopeias clássicas que se restringem a
enaltecer virtudes e qualidades do herói coletivo.
b) No final do século XVI,
Portugal atingiu o ponto mais alto da sua economia mercantilista decorrente da
expansão marítima por todos os continentes. No entanto, uma crise dinástica que
tem início no reinado de D. Sebastião e que se intensifica após sua morte na
batalha de Alcácer-Quibir, provocará o início do declínio do Império e que se
agravará com o domínio espanhol sobre Portugal até meados do século XVII.
2.
(Fuvest 2013) No excerto abaixo, narra-se
parte do encontro de Brás Cubas com Quincas Borba, quando este, reduzido à
miséria, mendigava nas ruas do Rio de Janeiro:
Tirei a carteira, escolhi
uma nota de cinco mil-réis, – a menos limpa, – e dei-lha [a Quincas Borba]. Ele
recebeu-ma com os olhos cintilantes de cobiça. Levantou a nota ao ar, e
agitou-a entusiasmado.
— In hoc signo vinces!* bradou.
E depois beijou-a, com
muitos ademanes de ternura, e tão ruidosa expansão, que me produziu um
sentimento misto de nojo e lástima. Ele, que era arguto, entendeu-me; ficou
sério, grotescamente sério, e pediu-me desculpa da alegria, dizendo que era
alegria de pobre que não via, desde muitos anos, uma nota de cinco mil-réis.
— Pois está em suas mãos
ver outras muitas, disse eu.
— Sim? acudiu ele, dando um
bote para mim.
— Trabalhando, concluí eu.
* “In hoc signo vinces!”: citação em latim que
significa “Com este sinal vencerás” (frase que teria aparecido no céu, junto de
uma cruz, ao imperador Constantino, antes de uma batalha).
Machado de
Assis, Memórias póstumas de Brás Cubas.
a) Tendo em vista a autobiografia de Brás
Cubas e as considerações que, ao longo de suas Memórias póstumas, ele
tece a respeito do tema do trabalho, comente o conselho que, no excerto, ele dá
a Quincas Borba: “— Trabalhando, concluí eu”.
b) Tendo, agora, como referência, a história
de D. Plácida, contada no livro, discuta sucintamente o mencionado conselho de
Brás Cubas.
Resposta:
a) O conselho de Brás Cubas
a Quincas Borba revela a hipocrisia do personagem-narrador que, nascido em
família abastada e amparado pelos privilégios concedidos à elite burguesa do
Segundo Reinado, nunca tivera de trabalhar para garantir a sua sobrevivência.
b) Brás Cubas
assume comportamentos diferentes relativamente a Quincas Borba e a D. Plácida.
Enquanto que ao primeiro, num gesto vaidoso e paternalista, lhe dava uma
pequena esmola e aconselhava a trabalhar para conseguir mais dinheiro, à
segunda, movido pelo interesse em manter uma aliada para os seus encontros
clandestinos com Virgília, oferecia quantias generosas sem nenhum sentimento de
culpa.
3.
(Pucrj 2013) Texto 1
As crônicas da vila de Itaguaí dizem que em
tempos remotos vivera ali um certo médico, o Dr. Simão Bacamarte, filho da
nobreza da terra e o maior dos médicos do Brasil, de Portugal e das Espanhas.
Estudara em Coimbra e Pádua. Aos trinta e quatro anos regressou ao Brasil, não
podendo el-rei alcançar dele que ficasse em Coimbra, regendo a universidade, ou
em Lisboa, expedindo os negócios da monarquia.
– A ciência, disse ele a Sua Majestade, é o
meu emprego único; Itaguaí é o meu universo.
Dito isto, meteu-se em Itaguaí, e
entregou-se de corpo e alma ao estudo da ciência, alternando as curas com as
leituras, e demonstrando os teoremas com cataplasmas. Aos quarenta anos casou
com D. Evarista da Costa e Mascarenhas, senhora de vinte e cinco anos, viúva de
um juiz de fora, e não bonita nem simpática. Um dos tios dele, caçador de pacas
perante o Eterno, e não menos franco, admirou-se de semelhante escolha e
disse-lho. Simão Bacamarte explicou-lhe que D. Evarista reunia condições
fisiológicas e anatômicas de primeira ordem, digeria com facilidade, dormia
regularmente, tinha bom pulso, e excelente vista; estava assim apta para
dar-lhe filhos robustos, sãos e inteligentes. Se além dessas prendas, – únicas
dignas da preocupação de um sábio, – D. Evarista era mal composta de feições,
longe de lastimá-lo, agradecia-o a Deus, porquanto não corria o risco de
preterir os interesses da ciência na contemplação exclusiva, miúda e vulgar da
consorte.
D. Evarista mentiu às esperanças do Dr.
Bacamarte, não lhe deu filhos robustos nem mofinos. A índole natural da ciência
é a longanimidade; o nosso médico esperou três anos, depois quatro, depois
cinco. Ao cabo desse tempo fez um estudo profundo da matéria, releu todos os
escritores árabes e outros, que trouxera para Itaguaí, enviou consultas às
universidades italianas e alemãs, e acabou por aconselhar à mulher um regímen
alimentício especial. A ilustre dama, nutrida exclusivamente com a bela carne de
porco de Itaguaí, não atendeu às admoestações do esposo; e à sua resistência, –
explicável mas inqualificável, – devemos a total extinção da dinastia dos
Bacamartes.
Mas a ciência tem o inefável dom de curar
todas as mágoas; o nosso médico mergulhou inteiramente no estudo e na prática
da medicina. Foi então que um dos recantos desta lhe chamou especialmente a
atenção, – o recanto psíquico, o exame de patologia cerebral. Não havia na
colônia, e ainda no reino, uma só autoridade em semelhante matéria, mal explorada,
ou quase inexplorada. Simão Bacamarte compreendeu que a ciência lusitana, e
particularmente a brasileira, podia cobrir-se de “louros imarcescíveis”, –
expressão usada por ele mesmo, mas em um arroubo de intimidade doméstica;
exteriormente era modesto, segundo convém aos sabedores.
– A saúde da alma, bradou ele, é a ocupação
mais digna do médico.
ASSIS, Machado
de. O alienista. São Paulo: Ática, 1982, pp. 9-10.
Texto 2
O Assinalado
Tu és o louco da imortal loucura,
o louco da loucura mais suprema.
A terra é sempre a tua negra algema,
prende-te nela extrema Desventura.
Mas essa mesma algema de amargura,
mas essa mesma Desventura extrema
faz que tu’alma suplicando gema
e rebente em estrelas de ternura.
Tu és o Poeta, o grande Assinalado
que povoas o mundo despovoado,
de belezas eternas, pouco a pouco.
Na Natureza prodigiosa e rica
toda a audácia dos nervos justifica
os teus espasmos imortais de louco!
BILAC, Olavo.
In: BARBOSA, Frederico (Org.). Clássicos da poesia brasileira.
Rio de Janeiro: O Globo, Klick Editora, 1997, pp.163-164.
Texto 3
Casablanca
Te acalma, minha loucura!
Veste galochas nos teus cílios tontos e
habitados!
Este som de serra de afiar as facas
não chegará nem perto do teu canteiro de
taquicardias...
Estas molas a gemer no quarto ao lado
Roberto Carlos a gemer nas curvas da Bahia
O cheiro inebriante dos cabelos na fila em
frente no cinema...
As chaminés espumam pros meus olhos
As hélices do adeus despertam pros meus
olhos
Os tamancos e os sinos me acordam depressa
na madrugada feita de binóculos de gávea
e chuveirinhos de bidê que escuto rígida nos
lençóis de pano
CESAR, Ana Cristina. A teus pés. São Paulo: Brasiliense, 1982, p.60.
Texto 4
Platão defendeu, no Banquete, em Fedra e em
outros textos, a existência de um espírito místico ou furor enviado pelo céu,
através do qual uns poucos eleitos se “inspiravam”: “As maiores bênçãos vêm por
intermédio da loucura, aliás, da loucura que é enviada pelo céu.” Possuídas
assim por visões transcendentais ou por conhecimentos transcendentais, essas
pessoas desfrutavam de uma “loucura divina”, que as elevava acima dos mortais.
A concepção freudiana do gênio era bastante
diferente. Não era uma dádiva dos deuses, mas resultado dos processos do
inconsciente; não vinha de cima, mas de dentro, das profundezas. [...]
A “arte” e a habilidade artística, mais que
a inspiração, eram consideradas a marca do artista ou do escritor, e as
estruturas de patronagem do mundo das letras tradicional proviam fortes
argumentos a favor da conformidade social, em vez de excentricidade do artista.
Isso não quer dizer que a “imaginação” e o
“gênio” visionário estivessem em baixa em terrenos críticos. Mas a teoria
clássica, modificada pela psicologia empirista do Iluminismo, insistia que a
imaginação não deveria ser obstinada, idiossincrática e visionária, mas residir
na sólida formação dos sentidos e ser temperada pelo juízo. O verdadeiro gênio
era um impulso orgânico saudável para a combinação das matérias-primas da
mente.
PORTER, Roy. Uma
História Social da Loucura. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor,
1990. p.81-82.
a) No texto 4, Roy Porter
aborda concepções distintas de genialidade. Sem reproduzir as palavras do
autor, explique a diferença que ele estabelece entre tais conceitos.
b) Considerando os textos 1, 2
e 3, identifique aquele que retoma o que é posto no primeiro parágrafo do texto
4. Justifique a sua escolha.
Resposta:
a) No texto 4, o autor contrasta a
genialidade concebida como dom, como graça divina à genialidade advinda de
traços inerentes ao indivíduo, conscientes ou inconscientes.
b) O texto 2, assim como o
primeiro parágrafo do texto 4, traz a ideia do gênio louco e visionário que se
eleva acima dos mortais.
4.
(Unicamp 2013) Millôr Fernandes foi
dramaturgo, jornalista, humorista e autor de frases que se tornaram célebres.
Em uma delas, lê-se:
Por quê? é filosofia. Porque é
pretensão.
a) Explique a diferença no funcionamento
linguístico da expressão “porque” indicada nas duas formas de grafá-la.
b) Explique o sentido do segundo enunciado
do texto (Porque é pretensão), levando em consideração a
forma como ele se contrapõe ao primeiro enunciado. Considere em sua resposta apenas
o sentido atribuído à palavra pretensão que se encontra abaixo.
pretensão: vaidade exagerada,
presunção.
Resposta:
a) A expressão “por que”,
junção da preposição “por” + pronome interrogativo, tem o
significado de por qual razão ou por qual motivo e é usada em perguntas
diretas ou indiretas. O termo “porque”, conjunção causal ou explicativa com
valor aproximado de pois, uma vez que,
é usado em respostas.
b) A expressão “por que”,
por ser usada em perguntas, sugere a curiosidade de quem se interessa pela
realidade e busca o sentido da existência. Já o termo “porque”, por ser usado
em respostas, sugere a vaidade de quem julga ter sempre a verdade.
5.
(Unifesp 2013) Leia o poema Prece, de
Fernando Pessoa.
Senhor, a noite veio e a
alma é vil.
Tanta foi a tormenta e a
vontade!
Restam-nos hoje, no
silêncio hostil,
O mar universal e a
saudade.
Mas a chama, que a vida em
nós criou,
Se ainda há vida ainda não
é finda.
O frio morto em cinzas a
ocultou:
A mão do vento pode
erguê-la ainda.
Dá o sopro, a aragem – ou desgraça ou ânsia
–,
Com que a chama do esforço
se remoça,
E outra vez conquistaremos
a Distância –
Do mar ou outra, mas que
seja nossa!
(Fernando
Pessoa. Mensagem, 1995.)
Extraído do livro Mensagem, o poema
pode ser considerado nacionalista, na medida em que o eu lírico
a) apresenta Portugal como uma
nação decadente, que não faz jus ao seu passado de heroísmo e glórias.
b) inspira-se no passado de
heroísmo do povo português que, no presente, já não acredita na sua história.
c) busca reviver o sonho de
uma da nação grandiosa, cantando um Portugal almejado por seus feitos
gloriosos.
d) reconhece o desejo de o
povo português glorificar seus heróis, o que não foi possível até o seu
presente.
e) descreve o Portugal de seu
tempo como uma nação gloriosa e marcada por histórias de heroísmo.
Resposta:
[C]
É correta a opção [C], pois, nos versos “Mas
a chama… / A mão do vento pode erguê-la ainda” e “E outra vez conquistaremos a
Distância – / Do mar ou outra”, o eu lírico expressa o desejo de que as glórias
do passado possam ser revividas em um futuro próximo.
6.
(Unicamp 2013) Ocupavam-se em descobrir
uma enorme quantidade de objetos. Comunicaram baixinho um ao outro as surpresas
que os enchiam. Impossível imaginar tantas maravilhas juntas. O menino mais
novo teve uma dúvida e apresentou-a timidamente ao irmão. Seria que aquilo tinha
sido feito por gente? O menino mais velho hesitou, espiou as lojas, as toldas
iluminadas, as moças bem-vestidas. Encolheu os ombros. Talvez aquilo tivesse
sido feito por gente. Nova dificuldade chegou-lhe ao espírito, soprou-a no
ouvido do irmão. Provavelmente aquelas coisas tinham nomes. O menino mais novo
interrogou-o com os olhos. Sim, com certeza as preciosidades que se exibiam nos
altares da igreja e nas prateleiras das lojas tinham nomes. Puseram-se a
discutir a questão intricada. Como podiam os homens guardar tantas palavras?
Era impossível, ninguém conservaria tão grande soma de conhecimentos. Livres
dos nomes, as coisas ficavam distantes, misteriosas. Não tinham sido feitas por
gente. E os indivíduos que mexiam nelas cometiam imprudência. Vistas de longe,
eram bonitas. Admirados e medrosos, falavam baixo para não desencadear as
forças estranhas que elas porventura encerrassem.
(Graciliano
Ramos, Vidas secas. Rio de Janeiro: Record, 2012, p.82.)
Sinha Vitória precisava falar. Se ficasse
calada, seria como um pé de mandacaru, secando, morrendo. Queria enganar-se,
gritar, dizer que era forte, e a quentura medonha, as árvores transformadas em
garranchos, a imobilidade e o silêncio não valiam nada. Chegou-se a Fabiano,
amparou-o e amparou-se, esqueceu os objetos próximos, os espinhos, as
arribações, os urubus que farejavam carniça. Falou no passado, confundiu-se com
o futuro. Não poderiam voltar a ser o que já tinham sido?
(Idem, p.120.)
a) O contraste entre as preciosidades dos
altares da igreja e das prateleiras das lojas, no primeiro excerto, e as
árvores transformadas em garranchos, no segundo, caracteriza o conflito que
perpassa toda a narrativa de Vidas secas. Em que consiste este conflito?
b) No primeiro excerto, encontra-se posta
uma questão recorrente em Vidas secas: a relação entre linguagem e
mundo. Explique em que consiste esta relação na passagem acima.
Resposta:
a) Os trechos
do enunciado apresentam, entre outros, o caleidoscópio de sentimentos e emoções
da família de Fabiano enquanto observam as festividades de Natal na cidade. No
primeiro excerto, os meninos maravilham-se com tantas luzes e gente e
assustam-se com o ambiente da igreja e das lojas que desconheciam. No segundo,
Sinha Vitória está aflita com a situação de Fabiano que se tinha embriagado e
ficara deitado no chão, dormindo pesadamente. Em ambos os excertos, está
presente o conflito de quem vive em absoluta situação de precariedade e rudeza
e estranha o mundo dos mais afortunados que têm acesso ao “luxo” e à abastança.
b) O mundo
retratado na obra “Vidas secas” é revelador do sofrimento dos que vivem em
condições sub-humanas no sertão nordestino, submetidos aos rigores do clima e
ao isolamento social, o que lhes embota o raciocínio e provoca o ressecamento
do ser. Assim, num espaço em que impera o silêncio apenas entrecortado pelos
gritos dos animais, os personagens adquirem as mesmas características,
tornando-se cada vez mais “bichos” e menos “gente”. No excerto 2, Sinha Vitória
procura demarcar-se do meio que a cerca (“Se ficasse calada, seria como um pé
de mandacaru, secando, morrendo”), mas a pobreza e a falta de instrução fazem
com que a distância que a separa das outras pessoas aumente cada dia mais.
Assim, mais do que a seca e a miséria, a linguagem é que se configura como
essência do que nos faz humanos: a capacidade de comunicação.
7.
(Unicamp 2013) O excerto abaixo foi
extraído do poema Ode no Cinquentenário do Poeta Brasileiro, de Carlos
Drummond de Andrade, que homenageia o também poeta Manuel Bandeira.
(...) Por isso sofremos:
pela mensagem que nos
[confias
entre ônibus, abafada
pelo pregão dos jornais e
[mil queixas
operárias;
essa insistente mas
discreta mensagem que, aos
[cinquenta
anos, poeta, nos trazes;
e essa fidelidade a ti
mesmo com que nos
[apareces
sem uma queixa no rosto
entretanto experiente,
mão firme estendida para
o aperto fraterno
– o poeta acima da guerra e
do ódio entre os
[homens –,
o poeta ainda capaz de
amar Esmeralda embora a
[alma
anoiteça,
o poeta melhor que nós
todos, o poeta mais forte
– mas haverá lugar para a
poesia?
Efetivamente o poeta
Rimbaud fartou-se de
[escrever,
o poeta Maiakovski
suicidou-se,
o poeta Schmidt abastece
de água o Distrito
[Federal...
Em meio a palavras
melancólicas,
ouve-se o surdo rumor de
combates longínquos
|
|
(cada vez mais perto,
mais, daqui a pouco dentro
[de nós).
E enquanto homens
suspiram, combatem ou
[simplesmente
ganham dinheiro,
ninguém percebe que o
poeta faz cinquenta anos,
que o poeta permaneceu o
mesmo, embora
[alguma coisa
de extraordinário se houvesse
[[passado,
alguma coisa encoberta de
nós, que nem os olhos
[traíram nem
as mãos apalparam,
susto, emoção,
enternecimento,
desejo de dizer: Emanuel,
disfarçado na meiguice
[elástica dos
abraços,
e uma confiança maior no
poeta e um pedido
[lancinante
para que não nos deixe sozinhos nesta
[[cidade
em que nos sentimos
pequenos à espera dos
[maiores
acontecimentos. (...)
(Carlos
Drummond de Andrade, Sentimento do mundo. São Paulo: Companhia das
Letras, 2012, p. 49.)
|
a) O que, no poema, leva o eu lírico a
perguntar: “mas haverá lugar para a poesia?”
b) É possível afirmar que a figura de Manuel
Bandeira, evocada pelo poeta, se contrapõe ao sentimento de pessimismo expresso
no poema e no livro Sentimento do mundo. Explique por quê.
Resposta:
a) O questionamento do eu lírico sobre a
oportunidade de se fazer poesia resulta das incertezas face ao ambiente
sociopolítico em que se encontra. Num mundo assolado por guerras desencadeadas
pela ganância (“E enquanto homens suspiram, combatem ou / [simplesmente ganham
dinheiro”), o eu lírico relembra outros poetas que sofreram as consequências
das circunstâncias (“Efetivamente o poeta Rimbaud fartou-se de /[escrever, o
poeta Maiakovski suicidou-se,/o poeta Schmidt abastece de água o Distrito/[Federal”)
e reflete se não será oportuno esperar dias melhores para expressar liricamente
os seus sentimentos e emoções (“nos sentimos pequenos à espera dos /[maiores
acontecimentos”).
b) Sim, é possível perceber que a figura de
Manuel Bandeira se contrapõe ao sentimento de pessimismo expresso no poema e no livro Sentimento
do mundo. A sequência de versos
que aludem ao poeta do 1º Tempo do Modernismo (“sem uma queixa no rosto
entretanto experiente, mão firme estendida para o aperto fraterno/ – o
poeta acima da guerra e do ódio entre os/ [homens –,/o poeta ainda capaz de
amar Esmeralda embora a/ [alma anoiteça,/ o poeta melhor que nós todos, o poeta
mais forte”) deixa transparecer a postura otimista do poeta que enfrentou as
vicissitudes da vida com coragem e generosidade, imune às circunstâncias
físicas que o limitaram e fizeram sofrer, para continuar celebrando a vida e o
amor através da poesia.
8.
(Fuvest 2013) Leia o seguinte poema.
TRISTEZA DO
IMPÉRIO
Os conselheiros angustiados
ante o colo ebúrneo
das donzelas opulentas
que ao piano abemolavam
“bus-co a cam-pi-na
se-re-na
pa-ra-li-vre
sus-pi-rar”,
esqueciam a guerra do
Paraguai,
o enfado bolorento de São
Cristóvão,
a dor cada vez mais forte
dos negros
e sorvendo mecânicos
uma pitada de rapé,
sonhavam a futura
libertação dos instintos
e ninhos de amor a serem instalados nos
arranha-céus de Copacabana, com rádio e telefone automático.
Carlos Drummond
de Andrade, Sentimento do mundo.
a) Compare sucintamente “os conselheiros” do
Império, tal como os caracteriza o poema de Drummond, ao protagonista das Memórias
póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis.
b) Ao conjugar de maneira intempestiva o
passado imperial ao presente de seu próprio tempo, qual é a percepção da
história do Brasil que o poeta revela ser a sua? Explique resumidamente.
Resposta:
a) Os “conselheiros” do Império, citados no
poema de Drummond, são representantes de uma elite burguesa que se caracteriza
pela insensibilidade social e alienação política, grupo em que está inserido
também Brás Cubas, protagonista do romance de Machado de Assis. Entregues a
futilidades e a prazeres imediatos, esquecem os verdadeiros dramas que os
cercam, moldam as suas vidas de acordo com os interesses individuais de um
mundo de aparências e experimentam o tédio e a angústia de quem não luta pela
realização pessoal.
b) Ao conjugar o passado imperial ao
presente de seu próprio tempo, Drummond apresenta uma visão crítica e
pessimista da História do Brasil, pois as atitudes da elite do sistema
totalitarista de Getúlio imitam as da elite do século XIX no que diz respeito a
frivolidade, alienação e provincianismo.
9.
(Pucrj 2013) Texto 1
Espalham-se, por fim, as sombras
da noite.
O sertanejo que de nada cuidou,
que não ouviu as harmonias da tarde, nem reparou nos esplendores do céu, que
não viu a tristeza a pairar sobre a terra, que de nada se arreceia,
consubstanciado como está com a solidão, para, relanceia os olhos ao derredor
de si e, se no lagar pressente alguma aguada, por má que seja, apeia-se, desencilha
o cavalo e reunindo logo uns gravetos bem secos, tira fogo do isqueiro, mais
por distração do que por necessidade.
Sente-se deveras feliz. Nada lhe
perturba a paz do espírito ou o bem-estar do corpo. Nem sequer monologa, como
qualquer homem acostumado a conversar.
Raros são os seus pensamentos:
ou rememora as léguas que andou, ou computa as que tem que vencer para chegar
ao término da viagem.
No dia seguinte, quando aos
clarões da aurora acorda toda aquela esplêndida natureza, recomeça ele a caminhar,
como na véspera, como sempre.
Nada lhe parece mudado no
firmamento: as nuvens de si para si são as mesmas. Dá-lhe o Sol, quando muito,
os pontos cardeais, e a terra só lhe prende a atenção, quando algum sinal mais
particular pode servir-lhe de marco miliário na estrada que vai trilhando.
TAUNAY,
Visconde de. Inocência. Disponível em:
<http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bn000002.pdf>. Acesso
em: 20 set. 2012.
Texto 2
Na planície avermelhada, os
juazeiros alargavam duas manchas verdes. Os infelizes tinham caminhado o dia
inteiro, estavam cansados e famintos. Ordinariamente andavam pouco, mas como
haviam repousado bastante na areia do rio seco, a viagem progredira bem três
léguas. Fazia horas que procuravam uma sombra. A folhagem dos juazeiros
apareceu longe, através dos galhos pelados da caatinga rala.
Arrastaram-se para lá, devagar,
Sinhá Vitória com o filho mais novo escanchado no quarto e o baú de folha na
cabeça, Fabiano sombrio, cambaio, o aió a tiracolo, a cuia pendurada numa
correia presa ao cinturão, a espingarda de pederneira no ombro. O menino mais
velho e a cachorra Baleia iam atrás.
Os juazeiros aproximaram-se,
recuaram, sumiram-se. O menino mais velho pôs-se a chorar, sentou-se no chão.
– Anda, condenado do diabo,
gritou-lhe o pai.
Não obtendo resultado,
fustigou-o com a bainha da faca de ponta. Mas o pequeno esperneou acuado,
depois sossegou, deitou-se, fechou os olhos. Fabiano ainda lhe deu algumas
pancadas e esperou que ele se levantasse. Como isto não acontecesse, espiou os
quatro cantos, zangado, praguejando baixo.
A caatinga estendia-se, de um
vermelho indeciso salpicado de manchas brancas que eram ossadas. O voo negro
dos urubus fazia círculos altos em redor de bichos moribundos.
– Anda, excomungado.
O pirralho não se mexeu, e
Fabiano desejou matá-lo. Tinha o coração grosso, queria responsabilizar alguém
pela sua desgraça. A seca aparecia-lhe como um fato necessário – e a obstinação
da criança irritava-o. Certamente esse obstáculo miúdo não era culpado, mas
dificultava a marcha, e o vaqueiro precisava chegar, não sabia onde.
RAMOS,
Graciliano. Vidas Secas. Rio de Janeiro: Record, 1986, pp. 9-10.
Texto 3
Toda viagem é interior
embora
por fora
se vista o carro ou o trem
e se aprenda a nadar
com o navio
e a voar
pelos ares, com as bombas
e os aviões;
toda viagem
se faz por dentro
como as estações
se fabricam, invisíveis
a partir do vento
silenciosas
como quando um pensamento
muda de tempo e de marcha
distraído de si, e entra
em outro clima
com a cabeça no ar:
psiu, míssil, além do som
e de qualquer mapa
ou guia que desenrolo
míope, sobre a estrada
que passa
sob meu pé-pneumático
sob o célere céu azul
do meu chapéu;
toda viagem
avança e se alimenta
apenas de horizontes
futuros, infinitos, vazios
e nuvens:
toda viagem é anterior.
FREITAS FILHO,
Armando. Longa vida. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982, pp.115-116.
a) Tomando como base a leitura
comparativa dos textos 1, 2 e 3, determine o sentido da palavra “viagem” em
cada um deles.
b)
Determine o
gênero literário predominante no texto 3, justificando a sua resposta com
aspectos que o caracterizam.
Resposta:
a) No texto 1, a viagem ganha o sentido de
deslocamento espacial positivo, com roteiro previsto e bem definido. No texto 2,
o mesmo deslocamento espacial é visto negativamente, seja pelas condições
adversas, seja por não haver destino definido. No texto 3, a viagem
acontece sobretudo no plano do imaginário, indicando um deslocamento
predominantemente temporal.
b) O gênero literário
predominante no poema de Armando Freitas Filho é o lírico, caracterizado pela
presença do eu poético (eu lírico), pelo tom intimista e pela utilização de uma
linguagem que produz sensações.
10.
(Unicamp 2013) Leia o seguinte trecho do
romance Capitães da Areia, de Jorge Amado:
Agora [Pedro Bala] comanda uma brigada de
choque formada pelos Capitães da Areia. O destino deles mudou, tudo agora é
diverso. Intervêm em comícios, em greves, em lutas obreiras. O destino deles é
outro. A luta mudou seus destinos.
(Jorge Amado, Capitães
da Areia. São Paulo: Companhia das Letras, 2008, p. 268.)
a) Explique a mudança pela qual os Capitães
da Areia passaram, e o que a tornou possível.
b) Que relação se pode estabelecer entre
esse desfecho e a tendência política do romance de Jorge Amado?
Resposta:
a) Inicialmente, a
narrativa relata as histórias de um grupo de aproximadamente cem "meninos
de rua" que sobrevivem de furtos e pequenas trapaças. A trajetória de
Pedro Bala, filho de um grevista morto no cais, é a linha condutora de toda a
história, ligando os quadros que são apresentados ao longo da narrativa. Por
ser o mais corajoso, torna-se chefe das crianças que a pouco e pouco se foram
afastando da marginalidade para combater as injustiças sociais, até se
transformar em líder revolucionário comunista.
b) Em “Capitães da areia”,
Jorge Amado trata de assunto real e desenvolve temas diversos, como a vida dos
excluídos e suas lutas, o papel da Igreja, das autoridades e da
imprensa. Jorge Amado era membro do Partido Comunista, por isso constrói
uma obra de denúncia, com um discurso ideológico que reflete as suas convicções
políticas: transformação social decorrente da conscientização e da luta
organizada contra as injustiças.
11.
(Espcex (Aman) 2013) Considerando a imagem da
mulher nas diferentes manifestações literárias, pode-se afirmar que
a) nas cantigas de amor,
originárias da Provença, o eu-lírico é feminino, mostrando o outro lado do
relacionamento amoroso.
b) no Arcadismo, a louvação da
mulher é feita a partir da escolha de um aspecto físico em que sua beleza se
iguale à perfeição da natureza.
c) no Realismo, a mulher era
idealizada como misteriosa, inatingível, superior, perfeita, como nas cantigas
de amor.
d) a mulher moderna é
inferiorizada socialmente e utiliza a dissimulação e a sedução, muitas vezes
desencadeando crises e problemas.
e) a mulher barroca foi
apresentada como arquétipo da beleza, evidenciando o poder por ela conquistado,
enquanto os homens viviam uma paz espiritual.
Resposta:
[B]
As opções
[A], [C], [D] e [E] são incorretas, pois
[A] nas cantigas de amor, o
eu lírico é masculino;
[C] a idealização é típica
do Romantismo;
[D] o amor, o casamento, a
relação homem e mulher são questões abordadas no Modernismo, questionamentos
que provocam reconhecimento e valorização da mulher no espaço social da época;
[E] a estética barroca nega
a concepção da figura do ser perfeito típico do Classicismo e apresenta a
mulher como alguém dual, merecedora de elogios e também de críticas.
Assim, é
correta apenas [B].
12.
(Pucrj 2013) Leia.
As crônicas da vila de Itaguaí dizem que em
tempos remotos vivera ali um certo médico, o Dr. Simão Bacamarte, filho da
nobreza da terra e o maior dos médicos do Brasil, de Portugal e das Espanhas.
Estudara em Coimbra e Pádua. Aos trinta e quatro anos regressou ao Brasil, não
podendo el-rei alcançar dele que ficasse em Coimbra, regendo a universidade, ou
em Lisboa, expedindo os negócios da monarquia.
– A ciência, disse ele a Sua Majestade, é o
meu emprego único; Itaguaí é o meu universo.
Dito isto, meteu-se em Itaguaí, e
entregou-se de corpo e alma ao estudo da ciência, alternando as curas com as
leituras, e demonstrando os teoremas com cataplasmas. Aos quarenta anos casou
com D. Evarista da Costa e Mascarenhas, senhora de vinte e cinco anos, viúva de
um juiz de fora, e não bonita nem simpática. Um dos tios dele, caçador de pacas
perante o Eterno, e não menos franco, admirou-se de semelhante escolha e
disse-lho. Simão Bacamarte explicou-lhe que D. Evarista reunia condições fisiológicas
e anatômicas de primeira ordem, digeria com facilidade, dormia regularmente,
tinha bom pulso, e excelente vista; estava assim apta para dar-lhe filhos
robustos, sãos e inteligentes. Se além dessas prendas, – únicas dignas da
preocupação de um sábio, – D. Evarista era mal composta de feições, longe de
lastimá-lo, agradecia-o a Deus, porquanto não corria o risco de preterir os
interesses da ciência na contemplação exclusiva, miúda e vulgar da consorte.
D. Evarista mentiu às esperanças do Dr.
Bacamarte, não lhe deu filhos robustos nem mofinos. A índole natural da ciência
é a longanimidade; o nosso médico esperou três anos, depois quatro, depois
cinco. Ao cabo desse tempo fez um estudo profundo da matéria, releu todos os
escritores árabes e outros, que trouxera para Itaguaí, enviou consultas às
universidades italianas e alemãs, e acabou por aconselhar à mulher um regímen
alimentício especial. A ilustre dama, nutrida exclusivamente com a bela carne
de porco de Itaguaí, não atendeu às admoestações do esposo; e à sua
resistência, – explicável mas inqualificável, – devemos a total extinção da
dinastia dos Bacamartes.
Mas a ciência tem o inefável dom de curar
todas as mágoas; o nosso médico mergulhou inteiramente no estudo e na prática
da medicina. Foi então que um dos recantos desta lhe chamou especialmente a
atenção, – o recanto psíquico, o exame de patologia cerebral. Não havia na
colônia, e ainda no reino, uma só autoridade em semelhante matéria, mal
explorada, ou quase inexplorada. Simão Bacamarte compreendeu que a ciência
lusitana, e particularmente a brasileira, podia cobrir-se de “louros
imarcescíveis”, – expressão usada por ele mesmo, mas em um arroubo de
intimidade doméstica; exteriormente era modesto, segundo convém aos sabedores.
– A saúde da alma, bradou ele, é a ocupação
mais digna do médico.
ASSIS, Machado
de. O alienista. São Paulo: Ática, 1982, pp. 9-10.
a) A compreensão do jogo entre
o narrador, as personagens e o leitor é um dos procedimentos críticos
necessários à análise da obra literária. Comente, utilizando as suas próprias
palavras, a problemática do foco narrativo no conto “O alienista” tendo como
referência o início do texto.
b) Dois dos mais
significativos aspectos da obra do autor de “Dom Casmurro” estão relacionados
ao seu ceticismo e à crítica corrosiva e sarcástica da sociedade brasileira do
seu tempo. Publicado entre outubro de 1881 e março de 1882, O alienista narra
a trajetória de Simão Bacamarte, médico voltado para a pesquisa, entendimento e
cura dos males do espírito. Tomando por base o fragmento selecionado, comente
criticamente a visão de Machado de Assis sobre os postulados do pensamento
positivista e da ideologia do progresso tão valorizados no fim do século XIX.
Resposta:
a) O foco narrativo do texto é
de terceira pessoa, ou seja, o narrador onisciente tem conhecimento dos fatos,
sentimentos, opiniões e pensamentos das personagens. Entretanto, no início do
texto, o narrador, ao citar “as crônicas da vila de Itaguaí”, incluindo outros
narradores no seu relato, mistura história e ficção e configura a
inconfiabilidade do foco narrativo.
b) Nota-se no texto a maneira
irônica com que são descritos tanto a chegada do médico à vila quanto os
critérios utilizados pelo Dr. Bacamarte na escolha da futura esposa. No
primeiro caso, configura-se a ideia de progresso através da atividade
científica mencionada. Em relação ao positivismo, percebe-se que Dona Evarista
é a eleita devido as suas “condições fisiológicas e anatômicas”, distantes da
ideia previsível de uma escolha pelo amor e pela beleza física.
13.
(Unicamp 2013) Leia os seguintes trechos
de Viagens na minha terra e de Memórias Póstumas de Brás Cubas:
Benévolo e paciente leitor, o que eu tenho
decerto ainda é consciência, um resto de consciência: acabemos com estas digressões
e perenais divagações minhas.
(Almeida
Garrett, Viagens na minha terra. São Paulo: Difusão Europeia do Livro,
1969, p.187.)
Neste despropositado e inclassificável livro
das minhas Viagens, não é que se quebre, mas enreda-se o fio das
histórias e das observações por tal modo, que, bem o vejo e o sinto, só com
muita paciência se pode deslindar e seguir em tão embaraçada meada.
(Idem, p. 292.)
Mas o livro é enfadonho, cheira a sepulcro,
traz certa contração cadavérica; vício grave, e aliás íntimo, por que o maior
defeito deste livro és tu, leitor. Tens pressa de envelhecer, e o livro anda
devagar; tu amas a narração direita e nutrida, o estilo regular e fluente, e
este livro e o meu estilo são como os ébrios, guinam à direita e à esquerda,
andam e param, resmungam, urram, gargalham, ameaçam o céu, escorregam e caem...
(Machado de
Assis, Memórias Póstumas de Brás Cubas, em Romances, vol I. Rio
de Janeiro: Garnier, 1993, p. 140.)
a) No que diz respeito à forma de narrar,
que semelhanças entre os dois livros são evidenciadas pelos trechos acima?
b) Que tipo de leitor esta forma de narrar
procura frustrar, e de que maneira esse leitor é tratado por ambos os
narradores?
Resposta:
a) Em ambos
os textos, os narradores em 1ª pessoa estabelecem diálogo com o leitor
(“Benévolo e paciente leitor”, “o maior defeito deste livro és tu, leitor”),
usam o recurso da função metalinguística (“Neste despropositado e
inclassificável livro das minhas Viagens”, “Mas o livro é enfadonho, cheira a
sepulcro, traz certa contração cadavérica”) e desviam-se da narrativa
cronológica para abrirem espaço a digressões (“acabemos com estas digressões e
perenais divagações minhas”, “este livro e o meu estilo são como os ébrios,
guinam à direita e à esquerda, andam e param, resmungam, urram, gargalham,
ameaçam o céu, escorregam e caem”).
b) O leitor é
tratado de forma respeitosa no excerto de Almeida Garrett e irônica no de
Machado de Assis. Ambos deduzem que o público da época preferia a narrativa
linear, com recursos técnicos facilitadores de leitura, desenvolvimento de
tramas que provocassem as emoções até um clímax e conduzissem a um final
previsível.
TEXTO PARA A
PRÓXIMA QUESTÃO:
Língua
Esta língua é como um elástico
que espicharam pelo mundo.
No início era tensa,
de tão clássica.
Com o tempo, se foi amaciando,
foi-se tornando romântica,
incorporando os termos nativos
e amolecendo nas folhas de bananeira
as expressões mais sisudas.
Um elástico que já não se pode
mais trocar, de tão usado;
nem se arrebenta mais, de tão forte.
Um elástico assim como é a vida
que nunca volta ao ponto de partida.
GILBERTO
MENDONÇA TELES
Hora aberta: poemas reunidos. Rio de Janeiro: José Olympio; Brasília: INL, 1986.
14.
(Uerj 2013) Para o senso comum, o uso
duradouro e frequente de certos objetos tende a causar desgaste e a exigir sua
substituição. Uma referência a essa ideia vem expressa em dois versos do poema.
Transcreva esses versos. Em seguida,
explique por que, segundo o poema, o uso da língua não confirma o senso comum.
Resposta:
Os versos “Um elástico que já não se pode/
mais trocar, de tão usado” traduzem a sensação de desgaste, que exige
substituição. Segundo o poema, o uso da língua não confirma o senso comum, pois
a existência de uma língua depende de que ela seja usada por um grande número
de pessoas, ao contrário de certos objetos, que podem ser consumidos pelo
uso.
15. (Unicamp 2012) Os excertos abaixo foram
extraídos do Auto da barca do inferno, de Gil Vicente.
(...) FIDALGO: Que leixo na outra vida
quem reze sempre por mi.
DIABO: (...) E tu viveste a teu prazer,
cuidando cá guarecer
por que rezem lá por ti!...(...)
ANJO: Que querês?
FIDALGO: Que me digais,
pois parti tão sem aviso,
se a barca do paraíso
é esta em que navegais.
ANJO: Esta é; que me demandais?
FIDALGO: Que me leixês embarcar.
sô fidalgo de solar,
é bem que me recolhais.
ANJO: Não se embarca tirania
neste batel divinal.
FIDALGO: Não sei por que haveis por mal
Que entr’a minha senhoria.
ANJO: Pera vossa fantesia
mui estreita é esta barca.
FIDALGO: Pera senhor de tal marca
nom há aqui mais cortesia? (...)
ANJO: Não vindes vós de maneira
pera ir neste navio.
Essoutro vai mais vazio:
a cadeira entrará
e o rabo caberá
e todo vosso senhorio.
Vós irês mais espaçoso
com fumosa senhoria,
cuidando na tirania
do pobre povo queixoso;
e porque, de generoso,
desprezastes os pequenos,
achar-vos-eis tanto menos
quanto mais fostes fumoso.
(…)
SAPATEIRO: (...) E pera onde é a viagem?
DIABO: Pera o lago dos danados.
SAPATEIRO: Os que morrem confessados,
onde têm sua passagem?
DIABO: Nom cures de mais linguagem!
Esta é a tua barca, esta!
(...) E tu morreste excomungado:
não o quiseste dizer.
Esperavas de viver,
calaste dous mil enganos...
tu roubaste bem trint'anos
o povo com teu mester. (...)
SAPATEIRO: Pois digo-te que não quero!
DIABO: Que te pês, hás-de ir, si, si!
SAPATEIRO: Quantas missas eu ouvi,
não me hão elas de prestar?
DIABO: Ouvir missa, então roubar,
é caminho per'aqui.
(Gil Vicente, Auto da barca do inferno, em Cleonice Berardinelli (org.),
Antologia do teatro de Gil Vicente. Rio de Janeiro: Nova Fronteira;
Brasília: INL, 1984, p. 57-59 e 68-69.)
a) Por que razão específica o fidalgo é condenado a seguir na barca do
inferno? E o sapateiro?
b) Além das faltas
específicas desses personagens, há uma outra, comum a ambos e bastante
praticada à época, que Gil Vicente condena. Identifique essa falta e indique de
que modo ela aparece em cada um dos personagens.
Resposta:
a)
As personagens desta obra são divididas em dois grupos: as alegóricas e as
personagens-tipo. No primeiro grupo inserem-se o Anjo e o Diabo, representando
respectivamente o Bem e o Mal, o Céu e o Inferno. No segundo grupo incluem-se
todas as restantes, nomeadamente o fidalgo D. Anrique e o sapateiro Joanantão,
personagens que, como todas as outras, trazem elementos simbólicos que
representam os seus pecados na vida terrena e dos quais não conseguiram
libertar-se. O fidalgo veste um longo manto vermelho e vem acompanhado de um
criado que porta uma cadeira, elementos que simbolizam a vaidade e a
arrogância. O sapateiro transporta o avental e formas para fazer sapatos,
símbolos da exploração interesseira da classe burguesa comercial.
b) Tanto o fidalgo quanto o
sapateiro acreditavam que os rituais recomendados pela igreja católica para
salvação da alma eram garantia absoluta para entrar no Paraíso, o que é
desmentido pelo diabo. O fidalgo usa o argumento de que deixou na terra alguém
que reza por ele (“Que leixo na outra vida /quem reze sempre por mi”) e o
sapateiro alega que o fato de ter ouvido missas e se ter confessado antes de
morrer lhe assegurariam a entrada no Céu (“Os que morrem confessados, /onde têm
sua passagem?”, “Quantas missas eu ouvi, /não me hão elas de prestar?”).
16.
(Insper 2012) Mudam-se
os tempos, mudam-se as vontades,
muda-se o ser,
muda-se a confiança;
todo o mundo é
composto de mudança,
tomando sempre
novas qualidades.
Continuamente
vemos novidades,
diferentes em
tudo da esperança;
do mal ficam as
mágoas na lembrança,
e do bem (se
algum houve), as saudades.
O tempo cobre o
chão de verde manto,
que já coberto
foi de neve fria, e, enfim,
converte em choro
o doce canto.
E, afora este
mudar-se cada dia,
outra mudança faz
de mor espanto,
que não se muda
já como soía*.
Luís Vaz de
Camões
*soía: Imperfeito do indicativo do
verbo soer, que significa costumar, ser de costume
Assinale a alternativa em que se analisa
corretamente o sentido dos versos de Camões.
a) O foco temático do soneto
está relacionado à instabilidade do ser humano, eternamente insatisfeito com as
suas condições de vida e com a inevitabilidade da morte.
b) Pode-se inferir, a partir
da leitura dos dois tercetos, que, com o passar do tempo, a recusa da
instabilidade se torna maior, graças à sabedoria e à experiência adquiridas.
c) Ao tratar de mudanças e da
passagem do tempo, o soneto expressa a ideia de circularidade, já que ele se
baseia no postulado da imutabilidade.
d) Na segunda estrofe, o eu
lírico vê com pessimismo as mudanças que se operam no mundo, porque constata
que elas são geradoras de um mal cuja dor não pode ser superada.
e) As duas últimas estrofes
autorizam concluir que a ideia de que nada é permanente não passa de uma
ilusão.
Resposta:
[D]
A primeira estrofe apresenta
uma generalização filosófica: a inconstância faz parte de tudo que existe
(“todo o mundo é composto de mudança”), devido a permanente instabilidade do
mundo exterior e interior do ser humano (“Mudam-se os tempos, mudam-se as
vontades”). Assim, não é específica do homem, nem do grau de experiência que
vai adquirindo ao longo da vida, como se afirma em [A] e [B]. Tampouco as
opções [C] e [E] analisam corretamente o sentido dos versos de Camões, pois a
ideia de circularidade presente nas últimas estrofes confirma a constância das
transformações a ponto de que nem a própria mudança acontece sempre da mesma
forma e no mesmo ritmo. Assim, é correta apenas [D], já que a segunda estrofe
apresenta um eu lírico desiludido que vê o seu “doce canto” convertido em triste
“choro”.
17. (Unicamp 2012) Os trechos a seguir foram
extraídos de A cidade e as serras, de Eça de Queirós.
Mas dentro, no peristilo, logo me surpreendeu um elevador instalado por
Jacinto – apesar do 202 ter somente dois andares, e ligados por uma escadaria
tão doce que nunca ofendera a asma da Srª. D. Angelina! Espaçoso, tapetado, ele
oferecia, para aquela jornada de sete segundos, confortos numerosos, um divã,
uma pele de urso, um roteiro das ruas de Paris, prateleiras gradeadas com
charutos e livros. Na antecâmera, onde desembarcamos, encontrei a temperatura
macia e tépida duma tarde de Maio, em Guiães. Um criado, mais atento ao
termômetro que um piloto à agulha, regulava destramente a boca dourada do
calorífero. E perfumadores entre palmeiras, como num terraço santo de Benares,
esparziam um vapor, aromatizando e salutarmente umedecendo aquele ar delicado e
superfino.
Eu murmurei, nas profundidades do meu assombrado ser:
– Eis a Civilização!
– Meus amigos, há uma desgraça...
Dornan pulou na cadeira: – Fogo?
– Não, não era fogo. Fora o elevador dos pratos que inesperadamente, ao
subir o peixe de S. Alteza, se desarranjara, e não se movia, encalhado!
(...)
O Grão-Duque lá estava,
debruçado sobre o poço escuro do elevador, onde mergulhara uma vela que lhe
avermelhava mais a face esbraseada. Espreitei, por sobre o seu ombro real. Em
baixo, na treva, sobre uma larga prancha, o peixe precioso alvejava, deitado na
travessa, ainda fumegando, entre rodelas de limão. Jacinto, branco como a
gravata, torturava desesperadamente a mola complicada do ascensor. Depois foi o
Grão-Duque que, com os pulsos cabeludos, atirou um empuxão tremendo aos cabos
em que ele rolava. Debalde! O aparelho enrijara numa inércia de bronze eterno.
(Eça
de Queirós, A cidade e as serras. São Paulo: Companhia Editora Nacional,
2006, p. 28, p. 63.)
a) Levando em consideração os
dois trechos, explique qual é o significado do enguiço do elevador.
b) Como o
desfecho do romance se relaciona com esse episódio?
Resposta:
a) No
primeiro trecho, o narrador surpreende-se com o requinte das novas tecnologias,
entre elas o elevador apetrechado com os mais diversos acessórios para oferecer
o máximo de conforto aos usuários: divã, pele de urso, roteiro das ruas de
Paris, prateleiras com charutos e livros. Como o elevador servia apenas dois
pavimentos ligados por suaves escadas, percebe-se a excessiva preocupação do
morador em dispor da tecnologia da época. No segundo trecho, o leitor percebe
claramente que essa tecnologia, muitas vezes, mais atrapalhava do que ajudava,
pois o peixe, que poderia ter sido transportado facilmente pelas escadas, tinha
ficado preso no poço do ascensor, construído para levar a comida da cozinha
para a sala de jantar no andar superior. O enguiço do elevador simboliza,
assim, os reveses causados pelo excesso de tecnologia.
b) O final do
romance constitui a síntese dos conceitos apresentados por Jacinto e Zé
Fernandes. À tese inicial de que a felicidade se obtém em ambiente urbano,
único espaço em que a tecnologia e o conhecimento conferem ao homem o estatuto
de civilizado, contrapõe-se a convicção antitética de que a felicidade só pode
ser encontrada na vida simples em contato com a natureza. Jacinto encontra
equilíbrio emocional, recupera a alegria e realiza-se completamente no regresso
ao meio rural dos seus antepassados, na atividade agrícola e no uso sensato da
tecnologia.
18.
(Unicamp 2011) Os trechos abaixo, do Auto
da barca do inferno e das Memórias de um sargento de milícias,
tratam, de maneira cômica, dos “pecados” de duas personagens que, cada uma a
seu modo, representam uma autoridade.
Leia-os com atenção e
responda às questões propostas em seguida.
Frade
Ah, Corpo de Deus
consagrado!
Pela fé de Jesus Cristo,
qu’eu não posso entender
isto!
Eu hei-de ser condenado?
Um padre tão namorado
e tanto dado à virtude!
Assi Deus me dê saúde
que eu estou maravilhado!
Diabo
Não façamos mais detença.
|
Embarcai e partiremos:
tomareis um par de remos.
Frade
Não ficou isso n’avença!
Diabo
Pois dada está já a sentença!
Frade
Par Deus! Essa seri’ela!
Não vai em tal caravela
minha senhora Florença.
Como? Por ser namorado
|
e folgar com ua mulher
se há um frade de se
perder,
com tanto salmo rezado?
Diabo
Ora estás bem aviado!
Frade
Mas estás bem corregido!
Diabo
Devoto padre marido,
haveis de ser cá
pingado...
|
(Gil Vicente, Auto
da barca do inferno. São Paulo: Ática, 2006, p. 35-36.)
Os
leitores estão já curiosos por saber quem é ela, e têm razão; vamos já
satisfazê-los. O major era pecador antigo, e no seu tempo fora daqueles de quem
se diz que não deram o seu quinhão ao vigário: restava-lhe ainda hoje alguma
coisa que às vezes lhe recordava o passado: essa alguma coisa era a
Maria-Regalada que morava na Prainha. Maria-Regalada fora no seu tempo uma
mocetona de truz, como vulgarmente se diz: era de um gênio sobremaneira
folgazão, vivia em contínua alegria, ria-se de tudo, e de cada vez que se ria
fazia-o por muito tempo e com muito gosto: daí é que vinha o apelido – regalada
– que haviam juntado ao seu nome.
(Manuel Antonio
de Almeida, Memória de um sargento de milícias. São Paulo: Ática, 2004,
Capítulo XLV - “Empenhos”, p. 142.)
a) O que há de comum na caracterização da
conduta do Frade, na peça, e do major Vidigal, no romance?
b) Que diferença entre as
obras faz com que essas personagens tenham destinos distintos?
Resposta:
a) Tanto o
major Vidigal como o Frade eram homens dados aos prazeres mundanos: o primeiro
ainda se sentia seduzido pelos encantos da Maria Regalada, com quem tinha
vivido maritalmente durante algum tempo, o segundo contrariara os votos de
castidade que a sua condição de frade exigia. Na condição de pessoas que
deveriam ser exemplo moral para os outros, apresentam-se ambos em situação
criticável pela conduta que tiveram.
b) Gil
Vicente, dramaturgo inserido no século XVI, escrevia as suas peças com
finalidade moralizante e didática. A sua crítica dirigia-se, sobretudo, às
pessoas que não seguiam as leis da moral e da ética e não às instituições a que
pertenciam. Assim, o Frade é castigado, pois é condenado ao Inferno, onde será
levado pelo Diabo e seu ajudante. Manuel Antônio de Almeida, autor do
Romantismo brasileiro, não pretendeu fazer crítica social, apenas elaborou uma
divertida crônica de costumes que retratava a classe média-baixa no Rio de
Janeiro, no tempo do rei D.João VI. A ausência de moralismo é evidenciada no
destino final dos personagens, que, de uma maneira geral, não são punidos pelas
faltas que cometem ao longo da sua vida.
Links para questões de outras disciplinas: http://araoalves.blogspot.com.br/2013/04/uff-questoes-discursivas-com-gabarito.html
EXCELENTE MATERIAL!!!
ResponderExcluirMuito bons seus argumentos tem me ajudado bastante em meus estudos obrigado.
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